Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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De Augusta Mulata a Mestre Badu, conheça mais negros invisibilizados

É importante retratar a pessoa negra com signos de vitória, para além da imagem da dor, do exotismo e da escravidão

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Esse texto é o último da série sobre algumas personalidades negras invisibilizadas pela história. A série é baseada em um livro publicado recentemente pelo selo Sueli Carneiro em parceria com a editora Jandaíra, que traz em seu título "Uma Nova História, Feita de Histórias". A partir de edital aberto com apoio de Maurício Rocha, contamos histórias incríveis que recontam a história do Brasil.

Uma dessas histórias é contada por Beatriz Prechet, doutoranda em história pela UFRJ. Ela traz a vida de Augusta de Campos, apelidada de Augusta Mulata, uma mulher negra que foi prostituta e depois se tornou dona de casa de prostituição no começo do século 20, no Rio de Janeiro, algo até então impensável para uma mulher negra.

Ilustração que representa o retrato duas mulheres negras, uma ao lado da outra
Ilustração publicada em 2 de novembro de 2021 - Linoca Souza

Prechet mostra Augusta como uma mulher que se virou como pôde em situações de grandes percalços e, mesmo difamada pelos jornais e perseguida pela polícia, transformou a realidade em que vivia —e sua casa se tornou a mais conhecida do Rio de Janeiro naquela época.

Contar a história do Brasil a partir de mulheres em situação de prostituição é desvelar uma lógica ainda presente do sistema colonial, mas também contar sobre como muitas dessas mulheres empreenderam de forma brilhante nas duras condições a que eram submetidas.

Naquele mesmo tempo, José Ezenildo Costa fazia um trabalho inédito na fotografia brasileira. O escritor e documentarista Sérgio Caetano narra na obra a história do primeiro fotógrafo negro do Rio Grande do Norte. Natural de Caicó em 1889, Costa produziu autorretratos de pessoas negras vivenciando a dignidade humana.

Costa já havia vislumbrado a importância da imagem da pessoa negra para além das imagens de dor, exotismo e escravidão —como era comum nos fotógrafos da época (e é até hoje)—, mas sim em signos positivos, de vitória, lançando um olhar inovador, compondo cenários e fotografando o cotidiano em imagens que ficaram imortalizadas. Angela Almeida, pesquisadora da UFRN, compôs um fotolivro com imagens remanescentes desse grande artista. Obra de valor inestimável.

Mas contar uma nova história é contar a partir dos povos quilombolas, comunidades negras que descendem de pessoas que eram escravizadas, mas que conseguiram de algum modo se embrenhar na mata e escapar do horror do engenho.

Nesse artigo, compartilharei três trajetórias incríveis. A primeira é contada pela escritora Nará Souza Oliveira, que traz a história de dona Joana de Andrade, referência máxima de sabedoria ancestral do Quilombo João Surá, em Adrianópolis, no Paraná. No estado também conhecido como "estado europeu", Nará mostra como dona Joana, que morreu em abril de 2018, aos 82 anos, foi uma mulher de resistência negra, inspiração e muita história.

Uma parte bonita do texto me pôs no colo dela, como que num colo de vó: "A mulher que gostava de baile, gostava de flores coloridas nas jarras, no jardim e nas roupas, destacava sua preferência pela cor vermelha e por tons de rosa. A quilombola foi mãe e esposa, na sua beleza, personalidade, sexualidade e vaidades em torno de seus perfumes e adornos".

Bem distante do Paraná, mas no mesmo tempo histórico, viveu na Comunidade Quilombola do Grilo, na Paraíba, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, mais conhecida como Paquinha. Quem contou sua história foi Alcione Ferreira, mestra em serviço social pela Universidade Estadual da Paraíba.

Paquinha abriu caminhos. Dava consulta como conhecedora das ervas e arregaçou as mangas para construir, com suas próprias mãos, a estrada para ligar a comunidade e possibilitar a chegada de carros, ambulâncias e serviços postais. Uma mulher memorável que lutou por décadas pela titulação da Comunidade do Grilo, o que ocorreu em 2016.

A terceira trajetória quilombola é de Mestre Badu, cuja história foi narrada por Lyana Gonçalves, mestra em história pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Descendente do Quilombo Mato do Tição, em Minas Gerais, Mestre Badu é um mestre da cura, senhor dos saberes ancestrais do povo negro.

Seu reconhecimento lhe vale um título de doutor honoris causa pela UFMG. Saberes como o de Mestre Badu são a memória do povo negro. Como afirma Gonçalves, "falo de banhos de folhas, chás, rezas, fundamentos ancestrais para cura, que revelam características que herdamos de africanos e indígenas, que são lapidadas com ferramentas do presente e se mantêm vivas em nossos mestres e mestras, nossos ancestrais em Terra".

Terminamos a série com o incrível Renato Noguera, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que nos conta a história de Ventura Mina. Noguera propõe substituirmos o 13 de maio de 1988 pelo 13 de maio de 1833. Como assim? Bom, vou deixar um gostinho final de curiosidade e um convite para que sigamos contando uma nova história a partir de outras histórias.​

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