Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Folhajus terrorismo

Prisão de Guantánamo agride liberdade e direitos humanos há 20 anos

Denúncias de torturas e injustiças fazem refletir sobre os males de dimensões globais causados pela 'guerra ao terror'

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Nesta semana, a prisão americana de Guantánamo, localizada no sudeste de Cuba, completa 20 anos de existência. Criada durante a invasão pelos Estados Unidos do Afeganistão, chegou a abrigar centenas de pessoas de 49 países sob condições degradantes, com diversos relatos de torturas, além de falta de acusação ou julgamento.

Atualmente, 39 prisioneiros estão nessa situação, chamados de "prisioneiros eternos". Um dos tantos suspeitos liberados após mais de uma década sem que qualquer crime tenha sido provado é Mohamedou Ould Slahi, nascido na Mauritânia, no norte da África. Sua história está contada no filme "O Mauritano", lançado em 2021, em cartaz em canais de filmes e streamings.

Fachada da prisão americana de Guantánamo, em Cuba - Thomas Wattkins/AFP

O filme ultrapassa as controversas, para não dizer falsas, narrativas do país para justificar as invasões do Afeganistão e do Iraque —assim como muitas outras ao longo de sua história. Ainda nos leva a perceber como, em nome de um "inimigo maior", práticas desumanas são aceitas e acusações inconsistentes são estimuladas.

Entre várias reflexões possíveis, o filme é uma parada obrigatória para conhecer a história e refletir sobre os males de dimensões globais causados pela "guerra ao terror", as injustiças feitas pelas investigações baseadas em "delações premiadas" e as confissões sob tortura.

Slahi foi submetido a todo tipo de violação para que confessasse o que os acusadores queriam e delatasse quem quer que fosse. Mesmo ele sendo inocente e com a ampla pressão internacional por sua soltura, seus recursos na Justiça levaram anos para serem processados. Ao total, foram mais de 14 anos preso até ser liberado sem prova de crimes. Na prisão, Slahi escreveu à mão sobre o inferno que viveu. O documento passou por censura do governo americano até ser divulgado com amplas tarjas pretas sobre o relato.

Entretanto, isso não foi capaz de barrar suas denúncias. Os relatos viraram um livro que está publicado em diversos idiomas. No Brasil, trata-se do "Diário de Guantánamo", publicado em 2015 pela editora Companhia das Letras.

Durante uma pesquisa para escrever a coluna para esta semana, deparei-me com o artigo publicado por Clive Stafford Smith no site do canal de notícias Al Jazeera, que tem feito um especial sobre os 20 anos da prisão de Guantánamo.

Assim como Nancy Hollander, que representou Slahi, Smith é advogado e representa alguns dos presos que estão há quase duas décadas sem acusação nem julgamento. Para ele, esse cenário, divulgado como necessário para combater o "extremismo islâmico", na verdade o está provocando.

No seu relato, afirmou ter encontrado muito poucos "terroristas", em referência a pessoas capturadas em campos de batalha ou de fato ligadas às organizações inimigas do país —que supostamente justificariam a narrativa governamental de suspensão de direitos.

Smith conta a história de Mohammed el-Gharani, nascido no Chade e criado na Arábia Saudita, onde sofria racismo e não podia estudar pela sua origem africana. El-Gharani foi para o Paquistão estudar inglês e ciência da computação, até ser preso pela polícia do país e enviado para Guantánamo, onde esteve encarcerado e sob tortura por sete anos.

Ilustração representando duas mãos negras segurando barras de grade de uma prisão
Ilustração publicada em 13 de janeiro - Linoca Souza

Ele tinha 14 anos e nunca teve contato com a Al-Qaeda. Nem sequer esteve em Cabul, no Afeganistão. As sessões de tortura, que envolviam espancamento e exposição constante à luz nos olhos, desenvolveram um glaucoma, além de danos irreparáveis à saúde mental.

Fui descobrir que sua história está contada no livro "Guantanamo Kid", de Jérome Tubiana e Alexandre Franc, ainda sem tradução no Brasil.

Smith também representou Sami al-Hajj, jornalista e cameraman do Qatar que trabalhava para Al Jazeera quando foi detido na chegada ao Paquistão. Hajj foi submetido a torturas durante seis anos em Guantánamo até ser liberado sem acusações. Atualmente é um jornalista internacionalmente premiado e trabalha na emissora como diretor de liberdades e direitos humanos. Assim como Slahi, Gharani e muitos outros, há livros sobre sua trajetória.

Em janeiro do ano passado, esses autores de livros que foram prisioneiros de Guantánamo, torturados por anos e liberados sem acusação, escreveram uma carta ao recém-eleito presidente Joe Biden.

O documento que pede, entre outras medidas, o fechamento da prisão, foi publicado na New York Review e é assinado por Mansoor Adayfi, Moazzam Begg, Lakhdar Boumediane, Ahmed Errachidi, Moussa Zemmouri, além de Slahi e al-Hajj. Começa da seguinte forma: "O presidente Bush inaugurou. O presidente Obama prometeu fechá-la, mas falhou em fazer isso. Presidente Trump prometeu mantê-la aberta. Agora é sua vez de decidir". No 20º aniversário, o apelo segue cada vez mais forte.

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