Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Lygia Fagundes Telles fez do feminino um retrato complexo na literatura

Só me resta sorrir ao ver que a escritora, morta neste domingo, viveu cercada de pessoas que cultivarão saudade

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Presto minhas homenagens à gigante Lygia Fagundes Telles, cujo legado de amor ao próximo é imortal. Uma mulher que marcou seu lugar na história da literatura brasileira e na defesa dos direitos das mulheres, ao retratá-las nas suas complexidades.

Fiquei absorta na leitura de Lygia. "As Meninas" marcou minha vida e me levou a ler o que as pessoas que sonharam junto às suas obras disseram durante a semana. Rosiska Darcy de Oliveira, companheira querida de luta e de literatura de Lygia na Academia Brasileira de Letras, fez as homenagens.

A ilustração com fundo rosa e listras magenta ao lado direito, têm ao lado esquerdo a figura de Lygia Fagundes Telles. Ela aparece do ombro para cima, com o braço esquerdo debruçado sobre a ponta do encosto de uma cadeira, em seu braço encontra-se um relógio de pulso azul marinho e branco. A escritura usa uma camisa vermelha, com listras azuis, punhos e gola de cor bege, mas igualmente listradas com listras azuis, sua pele é branca e seus cabelos são castanhos com mechas grisalhas, além disso ela usa anéis e brincos amarelos
Ilustração publicada em 7 de abril - Linoca Souza

Em entrevista à GloboNews, Rosiska começou dizendo: "Eu queria, antes de mais nada, dizer que o mundo literário, e eu me associo a ele, estamos de luto. Lygia é uma dessas pessoas de quem, ao nascer, todas as fadas se debruçaram sobre o berço. Ela era lindíssima, uma escritora extraordinária e, além de tudo, tinha essa grande qualidade de ter uma ligação muito forte com o que é o feminino. A obra dela está atravessada por isso".

"E ela, a cada livro", continua, "seguia uma etapa dessa evolução das mulheres. Ela foi uma testemunha dessa evolução, uma defensora e uma promotora, exatamente porque, como muito bem disse o Carlos Drummond de Andrade, a propósito dela: ‘Lygia não criava personagens. Lygia criava pessoas vivas’. E os personagens femininos dela são vivos, com todas as suas contradições, com todas as suas ambições, algumas frustradas, outras não, as suas rebeldias", disse Rosiska, em depoimento que merece ser registrado.

Na imprensa escrita, Jeferson Tenório, querido colega escritor, afirmou na Zero Hora que, ao prestar seus respeitos, leu para si mesmo em voz alta o conto "Venha Ver o Pôr do Sol". Foi um convite para que eu fosse atrás do conto que nunca havia lido. Pelo título, antes de ler, fiz uma ideia totalmente diferente do que estavam naquele conto, que me acelerou o coração e me tirou da cadeira. Uma fisgada surpreendente.

A comoção daqueles que a conheceram foi me levando para perto de suas palavras. Nesta Folha, li a despedida saudosa de Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras. "Sentiremos muita falta da delicadeza, elegância e carinhos que Lygia dedicava à sua literatura e também a nós, seus editores. Nossa relação era mais que afetiva. Era um verdadeiro amor entre autora e seus editores. Uma profunda falta é o que sentiremos a partir de hoje."

E foi nas redes sociais, na página da editora, que me deparei com um trecho de um conto que me acompanhou durante a sucessão de homenagens: "O importante é a intensidade do empenho nessa busca e em outras. Falhando, não culpar Deus, oh! Por que Ele me abandonou? Nós é que O abandonamos quando ficamos mornos. Quando a vocação para a vida começa a empalidecer e também nós, os delicados, os esvaídos. Aceitar o desafio da arte. Da loucura. Romper com a falsa harmonia, com o falso equilíbrio e, assim, depois da morte —ainda intensos— seremos um fantasminha claro de amor."

Fiquei muito tocada. Fui procurar onde ela havia feito essa ode à vida quente de sentidos e vontades, uma vida que vale a pena ser vivida. Encontrei-a no livro "A Disciplina do Amor" e tratei de ler outras partes. O trecho destacado pela Companhia é antecedido por outro magnífico, o qual, seguindo a tradição de Tenório, li para mim mesma em voz alta, por serem na minha experiência palavras de cura.

E assim eu li: "Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só fervor mas uma certa dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita ferida porque as pessoas estão bravas demais, até as mulheres, umas santas, lembra? Costurar as feridas e amar os inimigos que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinês imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares, ‘não chores que a vida / é luta renhida’. Lutar com aquela expressão de criança que vai caçar borboleta, ah, como brilham os olhos de curiosidade…".

Diante de escrita tão potente, só me resta sorrir ao ver que ela viveu essa vida aventureira, cercada de pessoas que cultivarão saudades e de leitores e leitoras que ficarão para sempre com a obra extraordinária dessa brilhante escritora.

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