Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Milton Nascimento encerra época de ouro da música junto com sua carreira

Suas canções são imortais, e a sensação de quem as escuta é que sempre se aprende algo escondido na poesia das letras

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Gênio da música, Milton Nascimento, aos 80 anos, após uma carreira que transcende épocas e gerações, anunciou sua "Última Sessão de Música", a turnê de encerramento de carreira dirigida brilhantemente por seu filho e empresário artístico Augusto Nascimento.

É praticamente impossível definir Milton com um termo único, mas, se fosse possível, poderíamos chamá-lo de "o cantor do novo mundo". Milton nos mostra que os sonhos resistem à força bruta, que, apesar de tudo, há um veleiro sempre pronto para partir. Ele é único no espaço e no tempo. Sua obra e sua trajetória são base bibliográfica para centenas de pesquisas. Aquele que teve um disco com músicas suas cantado pela lendária Sarah Vaughan, shows, admiração e amizade com os magistrais Wayne Shorter, Herbie Hancock e Quincy Jones, entre tantos outros.

Na ilustração, sobre um fundo azul, Milton Nascimento aparece com o manto elaborado pelo estilista Ronaldo Fraga para a turnê "A última sessão da música", nas cores amarelo e vermelho. Milton segura um acordeon marrom e atrás de si surge um sol amarelo claro e arabescos verdes em formato de planta, adornando a imagem
Ilustração publicada em 19 de maio - Linoca Souza

Em tempos em que a mídia se esforça para que a música brasileira atual seja ouvida, é preciso aprender com os mais velhos. E, nesse sentido, Milton dá aulas sobre entrar no cenário internacional pela porta da frente, sendo respeitado por sua genialidade e seu talento original, sem se curvar. Ao contrário, foi o mundo que se curvou a ele. Também foi o ganhador do Grammy na categoria world music, em 1998, e doutor honoris causa pelo prestigiado Berklee College of Music, onde fará um show em sua última sessão.

No Brasil, passou por todos os lugares em mais de 60 anos de carreira, conviveu e foi reverenciado por divindades da música —e como não lembrar a magnífica Elis Regina, sua amiga tão querida, dona de seus pensamentos que viajam para os tempos em que faziam a dupla mais perfeita no palco e na vida. Onde é que esteja, temos certeza de que está olhando por ele com um sorriso intenso, celebrando cada passo do seu amigo de Três Pontas.

Nem em um livro de mil páginas caberiam todas as parcerias de músicas, como a incrível Gal Costa, seus brilhantes irmãos Chico Buarque, Edu Lobo, Ney Matogrosso e Caetano Veloso, a irreverente Rita Lee, ou ainda a Mercedes Sosa, a voz da América Latina e —por que não dizer?— do Terceiro Mundo...

Mas qualquer que seja o tributo, sua carreira deve passar pelos seus parceiros de Clube da Esquina, Lô Borges, Wagner Tiso, Fernando Brant, Beto Guedes, Toninho Horta, Márcio Borges, como também Flávio Venturini, Ronaldo Bastos e tantos outros que fizeram daquela esquina uma capital da música brasileira.

Como ele mesmo se define, é o carioca mais mineiro do Brasil, que devagarinho, com seu jeito tímido e bico do Bituca, vai liderando o caminho rumo a uma nova era. Lembra-me de Oxalá, seu pai, que também é o pai de todas as cabeças. É aquele que pisa devagarinho, em passos lentos, porém firmes, que podem até demorar, mas sempre chegam ao destino. E, quando ele chega, todas as pessoas se calam, tamanha reverência ao mais velho.

Na tradição que sigo, envelhecer é uma dádiva, um posto de respeito e sabedoria. E, em dado momento, o mais velho encontra o mais novo, que traz a missão de continuar os passos. E Milton tem se encontrado com os mais novos, sobretudo com Criolo, Maria Gadu, Zé Ibarra, Tiago Iorc, Samuel Rosa, Rogério Flausino e tantos outros.

Milton Nascimento é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração. Foi um missionário de luz que cantou as mulheres e as acompanhou em tantas travessias. Poucas reuniões feministas não são encerradas com "Maria, Maria", hino das mulheres negras brasileiras.

Nessas décadas de carreira, suas músicas estão imortalizadas, e a sensação de quem as escuta é que sempre se aprende algo escondido caprichosamente na poesia das suas letras, que nos motivam a seguir, resistir e ser feliz.

Sua turnê é um momento histórico na cultura, senhores e senhoras. Somente em duas horas, mais de 35 mil ingressos foram vendidos, algo espetacular. Cenas de público lotado, com direito a um Mineirão abarrotado, estão por vir. Com toda certeza, estarei lá para aplaudi-lo cantar à frente de sua banda leal e multitalentosa.

Com sua aposentadoria, encerra-se uma época de ouro da música. O cantor do novo mundo fez muito por nós e, ao anunciar essa turnê, diz "agora é com vocês". Que sorte a nossa de termos sido abençoados por tanto, mas, ao mesmo tempo, que missão impossível. Milton Nascimento é único.

Só temos a agradecer a oportunidade de termos convivido com esse gênio dos palcos e da vida. Vamos reverenciar e aplaudir um dos maiores nomes da música no mundo, em toda a história. Viva Milton Nascimento! Viva o Brasil do novo mundo!

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