Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Não é preciso ir à Ucrânia para ver violência sexual infantil e invasões de terras

Não pretendo minimizar horror da atitude de Arthur do Val, mas sim provocar as pessoas a encararem o Brasil com realismo

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Li nesta Folha, na terça-feira (12), sobre o relatório produzido pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana, com assessoria técnica do ISA, que apontou o aumento de 46% da devastação associada à atividade dos garimpos em relação a 2020, o maior aumento já registrado na história, que deixa um rastro de assassinatos, destruição ambiental e violências diversas.

Foi também nesta semana, no acampamento Terra Livre, que os povos indígenas mobilizados por direitos se reuniram em torno do projeto político da candidatura presidencial de Lula, o qual afirmou em discurso que, caso eleito, criará o Ministério dos Povos Indígenas e revogará as medidas que passam a boiada, entre outras ações.

Na ilustração, de fundo verde, estão localizadas as figuras de duas mulheres Yanomami,  Elas têm cabelos pretos,usam adornos corporais de sua etnia e aparecem com o rosto para frente, enquanto estão em um abraço de lado, onde uma passa o braço sobre o ombro da outra
Ilustração publicada em 14 de março - Linoca Souza

O relatório ainda aponta consequências da miserabilidade e violência impostas pela desproteção às comunidades da região, trazendo relatos de estupros a mulheres e crianças indígenas por garimpeiros, bem como aumento de casos de malária e desnutrição infantil. São chocantes e perturbadoras as denúncias de exploração sexual de meninas e mulheres indígenas. A Hutukara divulgou relatos envolvendo os garimpeiros e reproduzo alguns aqui:

"Se você tiver uma filha e a der pra mim, eu vou fazer aterrissar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!"

"Eles dizem: ‘Essa tua filha é muito bonita’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Depois disso é que dão um pouco de comida."

"É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!"

Segundo a associação, três garotas de 13 anos morreram após serem abusadas.

A violência sexual contra meninas é uma realidade alarmante no país e, como já escrevi em colunas anteriores, há a exploração da vulnerabilidade e pobreza por parte de homens. Como se sabe, o Brasil é um país campeão em estupros de crianças e mulheres, muitas das quais em situação de extrema pobreza.

Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2020, a maioria das vítimas tinha apenas 13 anos. É um país que ocupa o pódio do casamento infantil, dado que também é informado pela condição econômica miserável das crianças, jovens e mulheres no Brasil.

Recentemente vimos com repulsa o deputado estadual Arthur do Val desrespeitar mulheres ucranianas dizendo coisas como "elas são fáceis porque são pobres", incentivando a exploração da vulnerabilidade econômica dessas mulheres.

No dia 12 abril, o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, por unanimidade, o relatório que pede a cassação do mandato do deputado.

A votação segue para o plenário e foi uma decisão importante e um recado para a sociedade sobre a intolerância a discursos que violentam a dignidade das mulheres.

Não se trata de comparar realidades, mas é preciso o mesmo engajamento de políticos e da sociedade civil nos casos que aterrorizam as meninas yanomami e de diversos povos indígenas —que estão tendo seus corpos e sua humanidade violados.

Dito isso, percebemos que a fala de Arthur do Val, infelizmente, retrata uma perspectiva comum no Brasil.

Um pensamento masculino mediano que tira todo o proveito possível de uma situação aterradora. O que estou pontuando aqui não busca minimizar o horror de ir a uma zona de guerra para estimular o turismo sexual no seu círculo de amigos, mas sim provocar todos os que se indignaram com tal postura a darem um passo à frente e encararem esse país com o realismo que ele merece.

A Ucrânia é aqui. Neste país também vivemos uma situação de invasão de terras, também vivemos a exploração sexual de crianças e mulheres.

Mais do que repúdio moral ao que está acontecendo, devemos tomar posição e saber avaliar projetos, independentemente de preferências pessoais, de um ou outro candidato.

Por meio de uma leitura interseccional, sabemos como os debates sobre os povos indígenas, as mulheres, o povo negro e a população LGBT estão entrecruzados e produzindo uma série de localizações sociais na sociedade brasileira.

É no seio de um país plural que precisamos reencontrar o rumo. No Brasil, sabemos que projeto político presidencial vem desmontando as políticas de proteção às populações indígenas e ao ambiente. Sabemos que projeto está desmobilizando as políticas de proteção às mulheres.

Que estejamos atentos e atentas a isso.

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