Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

Representação de negros em imagens de vitória tem efeitos no cotidiano

Incorporação da categoria inspiração no prêmio Melhores do Ano, o principal da TV Globo, foi muito positiva

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Participei neste fim de ano da premiação Melhores do Ano, organizada pelo Domingão do Huck na Globo. Fui convidada para ser madrinha de um projeto social chamado Gastronomia Periférica. Capitaneado pelo chef Edson Leite e pela psicóloga Adélia Rodrigues, a iniciativa visa formar chefs de cozinha no Jardim São Luís, na periferia sul de São Paulo. Em dez anos, mais de mil cozinheiros e cozinheiras foram formados e, atualmente, se distribuem nos mais diversos restaurantes do país e do mundo. Vidas que foram transformadas a partir do trabalho de base.

Na ilustração, sobre uma mesa de toalha amarela, estão presentes duas mãos negras segurando garfos, uma bandeja com peixe, camarões, azeite, pimenta e temperos espalhados.
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Souza

Venho de um lugar em que se pede e a madrinha abençoa, então minha bênção está dada. Desejo vida longa ao Gastronomia Periférica, que irá se fortalecer ainda mais e romper tantas outras barreiras colocadas pelo racismo que visam impedir pessoas negras de acessar bons empregos pela falta de oportunidade de uma formação profissional adequada. Para quem quiser conhecer mais o Gastronomia Periférica, o restaurante-escola fica localizado na Vila Madalena. É o Da Quebrada, situado na rua Harmonia, 271 e abre de segunda a sexta, servindo café da manhã e almoço, das 8h às 16h.

Além do Gastronomia Periférica, foram premiadas na categoria inspiração a ativista indígena Txai Suruí, colega nesta Folha, e sua mãe, Neidinha, pelo trabalho em favor dos povos indígenas de Rondônia e todo país. Por fim, foi premiada na categoria inspiração a grande Nalvinha da Ilha de Deus, na zona sul do Recife, e uma das regiões mais precarizadas da cidade. Sob muito custo pessoal, Nalvinha trabalhou duro para manter o legado da ONG Saber Viver, fundada por sua mãe em 1983, e que segue oferecendo cursos profissionalizantes e diversas atividades para as moradoras da comunidade, em sua grande maioria mulheres negras.

Iniciativas como esse prêmio são muito bem-vindas, pois, além prestarem o justo reconhecimento, a representação da população negra e indígena em imagens de vitória tem efeitos materiais no cotidiano, sobretudo em um tão bombardeado por imagens de derrota que impregnam a autoestima e a vida da comunidade da população pobre deste país.

A incorporação da categoria inspiração no prêmio Melhores do Ano, o principal prêmio da TV Globo, é o resultado da gestão de Luciano Huck à frente da organização. A categoria já existia dentro do Caldeirão, mas migrou para o domingo no meio da premiação das pessoas e produções da emissora.

O resultado foi muito positivo. Segundo Huck, é uma oportunidade única para que as estrelas da emissora, acostumadas com os holofotes, aplaudam de pé pessoas que têm feito um trabalho transformador todos os dias. Foi uma ideia brilhante que se somou ao evento tradicional de forma emblemática.

O prêmio conta com uma gigante equipe de produção e essa categoria inspiração possui a curadoria de pessoas que têm feito um trabalho perseverante para a conscientização racial, como meu colega desta Folha Preto Zezé, os comunicadores AD Jr. e Renê Silva, entre outras pessoas que fazem o trabalho difícil de selecionar três iniciativas entre tantas que acontecem diariamente nesse país e que merecem todo o apoio e reconhecimento.

Ao receber seu prêmio, o chef Edson Leite brindou todas as pessoas com um discurso emocionante, o ápice da noite especial. Leite, segundo contou ao público, conviveu com cenas de violência durante a infância e adolescência, saiu aos 21 anos de São Paulo para Lisboa, onde passou anos em restaurantes.

Ao voltar ao Jardim São Luís, percebeu que as coisas estavam "iguais" e decidiu fazer um banquete gigante para a comunidade, e a ideia do Gastronomia Periférica tomou forma. No palco, muito emocionado ao receber o prêmio, o chef afirmou: "A gente veio aqui para comemorar o bagulho, entendeu? A gente veio aqui para falar que a gente tá vivo!".

Sim, estamos vivos e isso deve ser celebrado. Suas palavras voaram longe e abraçaram todo um país que tem dificuldade de para ter comida na mesa no dia de Natal. Uma lembrança da realidade e mais uma evidência da importância de projetos como esse.

Após as premiações, a cerimônia terminou com chave de ouro, com a presença do melhor do ano: Milton Bituca Nascimento. Cantando ao lado de Simone, Bituca foi homenageado pela "Última Sessão de Música", turnê histórica desse gênio da música brasileira.

Aproveito esse espaço para desejar um feliz ano a todas as pessoas que trabalham neste jornal, aos leitores e leitoras. Até 2023!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.