Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Por que Mangueira é a campeã do povo, mesmo em quinto lugar no Carnaval

Na voz de Margareth Menezes, samba-enredo levantou o público

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A Estação Primeira de Mangueira arrastou a multidão na Marquês de Sapucaí com uma homenagem a Iansã, aquela que rege, vezes como búfala, vezes como borboleta, os caminhos da escola querida de muitos cariocas e de todo o Brasil.

Neste ano seu desfile foi muito especial. A rainha Evelyn Bastos abria os caminhos para a passagem da impecável bateria regida por Rodrigo Explosão e Taranta Neto. Um samba-enredo que ganhou o país na voz de Margareth Menezes levantou o povo, que, atrás da verde e rosa, chegou com a chave de ouro do domingo de Carnaval.

Na ilustração, de fundo azul claro, confetes e serpentinas se espalham em volta da porta-bandeira, que carrega a bandeira do G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira. A porta-bandeira é negra, tem cabelos crespos, também negros e usa uma roupa nas cores da escola: rosa e verde, com detalhes amarelos.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 23.fev.23 - Aline Bispo

Alcione, Leci Brandão e toda a Velha Guarda e seus baluartes coloriam aquele desfile impressionante com a história e tradição à luz do nascer do Sol. Parafraseando o mangueirense Cartola, "Alvorada, com a Mangueira, que beleza, ninguém chora, não há tristeza...".

Uma coisa de que gosto no Carnaval do Rio é que desfilam apenas escolas de samba de comunidades. E há uma lógica de respeito mútuo, de samba no pé e de colaboração. Quando estava no ensaio técnico da Mangueira, no começo do mês, tive o prazer de encontrar a presidenta da escola, Guanayra Firmino, e pude caminhar junto com ela até a concentração. Em sua gestão, foram privilegiadas "crias" da comunidade, homens e mulheres que nasceram no Morro de Mangueira e hoje trazem a tarefa de levar o legado adiante.

Conheci sua mãe, Dona Gilda Moreira, a presidenta da Velha Guarda da Mangueira, uma mulher que descende da fundadora da Agremiação Tia Fé, mãe de santo de Iansã. Foram 15 minutos de conversa, não mais do que isso, mas que valeram por muito tempo. Perguntei a ela, depois de tantas histórias: "por que a senhora não escreve um livro?". Ela me disse que estava pensando nessa ideia; e fico aqui na torcida.

Dona Gilda é uma verdadeira biblioteca e seu fruto não caiu longe do pé. Andando com Guanayra, era lindo ver como sua autoridade era respeitada com naturalidade por todas as pessoas. Em um dado momento, uma mulher da arquibancada consegue alcançá-la. Emocionada, disse que era portelense, mas que a admirava muito e que torcia para que ela tivesse toda a sorte em sua gestão. Aquela cena para mim era a tradução do respeito entre as comunidades, que mantém a maior festa do mundo viva até os dias de hoje.

É comum uma agremiação visitar a outra para cantar seus clássicos em uma roda de samba e a amizade vai além da viola. Um caso me chamou a atenção nesse fim de semana, quando estive no Barracão da Mangueira na véspera do desfile para vestir meu figurino, lindo por sinal, desenhado pela carnavalesca Annik Salmon e elaborado pela designer Valéria Mendonça.

Annik e Valéria se conhecem há anos e formam uma dupla imbatível na excelência dos figurinos. O meu era roxo e tinha contornos em amarelo, arranjos com pedras e uma cauda gigante. Foi pensado especialmente, pois desfilei como a Rainha da Embaixada Africana. Quando recebi esse convite, quase morri do coração, tamanha honra. Esteja onde estiver, imagino como meu pai, Joaquim, está até agora orgulhoso disso, ele que era mangueirense fanático, mesmo sendo santista.

Naqueles dias que antecedem o desfile, além da correria imensa por todos os detalhes, em um momento, Amauri Wanzeler, diretor do Barracão da Mangueira, estava todo preocupado com um problema que tinha dado em um carro alegórico de uma outra agremiação no trajeto até a concentração. Tratava aquele problema como se fosse em um carro da sua própria escola e conversava com o diretor da escola adversária como se fossem diretores de uma mesma agremiação.

Annik e Guilherme Estevão foram os carnavalescos responsáveis pelo desfile que arrebatou a avenida. Foi a estreia da parceria à frente de uma das mais tradicionais escolas e torço, como aquela portelense que rendeu homenagens à presidenta, que continuem abençoados nas próximas missões. Estrear como carnavalescos na Estação Primeira de Mangueira nesse lindo desfile é como começar a jogar futebol com a camisa 10 do Flamengo no Maracanã marcando gol.

E a Mangueira volta ao desfile das campeãs, para celebrar a quinta posição na colocação geral, uma colocação que, embora não reflita o poder de seu desfile, só foi possível diante de muito trabalho e dedicação dessa comunidade obstinada em trazer a alegria para o povo brasileiro.

Afinal, o Carnaval é uma festa ou não é?

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