Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Folhajus

Ao ministro Lewandowski, às vésperas de sua aposentadoria no STF

Ele sempre se manteve fiel aos princípios constitucionais

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Fui algumas vezes aos encontros da Brazil Conference, organizada pelos alunos e alunas brasileiras da Universidade Harvard. Acontece anualmente em Boston e, apesar de ser um compromisso que demanda muito, porque envolve uma viagem longa de avião e o período na conferência é curto, eu gosto desses eventos, porque é uma oportunidade de conhecer pessoas de espectros políticos diferentes, que convivem naquele espaço como um território neutro.

Dificilmente há um evento similar no Brasil no qual pessoas da literatura, política, justiça, negócios, televisão etc. convivam como lá. É uma das razões que me agradam e por isso voltei ao evento no último ano, quando estávamos curtindo os primeiros tempos pós-pandemia.

Uma das minhas agradáveis surpresas dessa última ida foi conhecer o ministro Ricardo Enrique Lewandowski e sua colega do direito e companheira de vida, Yara de Abreu Lewandowski. Eu já conhecia parte do trabalho do ministro e admirava seus votos. Admirei sua postura nos julgamentos do mensalão e da Lava Jato, em que pessoas foram acusadas e condenadas de uma maneira a destruir reputações, mesmo aquelas em relação às quais nenhum crime foi comprovado.

O ministro manteve-se fiel a seus princípios constitucionais. Foi corajoso como ministro revisor no mensalão e, por isso, alçado por certo segmento da sociedade a inimigo do Brasil. Contudo, nem por isso fez dessa situação motivo para mudar de voto e cair no gosto de quem queria outra postura.

Na ilustração de fundo verde claro, um homem está atrás de um púlpito, ele usa um terno, uma toga e gravata. Abaixo, mãos com punhos cerrados, de tonalidades diferentes aparecem.
Ilustração de Aline Bispo para a coluna de Djamila Ribeiro de 23.mar.23 - Aline Bispo

Mas a principal razão pela qual admiro o trabalho do ministro foi o seu voto como relator da ação que julgou as cotas raciais como constitucionais. Essa ação contou com a participação no Supremo Tribunal Federal de diversas organizações do movimento negro, que, por sua vez, resistiram durante décadas, pois parte da sociedade brasileira tinha uma síncope com o assunto, mesmo depois de quase quatro séculos de escravidão na história do país, sem que tenha havido políticas públicas de reparação e inclusão depois da abolição formal da escravatura.

As cotas naquele momento já eram realidade em algumas universidades, porém, com o passar dos anos, os dados do bom desempenho dos alunos e alunas cotistas ficaram ainda mais evidentes, bem como tanto o debate como os programas de diversidade em universidades privadas, empresas e instituições públicas se desenvolveram consideravelmente. Ainda falta muito, mas naquele tempo do julgamento de 2012 faltava ainda mais. A coragem, o bom senso e a competência do acolhimento dos argumentos pelo ministro tornaram seu voto um documento histórico.

Quando, mesmo dez anos depois da declaração da constitucionalidade das cotas, eu ainda sou questionada sobre elas, costumo dizer "gente, leiam o voto do ministro Lewandowski. Vão estudar". Poupa-me tempo e, de quebra, oriento a pessoa pelo caminho do estudo, o que eu adoro fazer. Conversando com o ministro e com sua companheira Yara, ele me disse que o voto foi transformado em livreto para distribuição em projetos de conscientização e educação.

Agora, às vésperas de sua aposentadoria no Supremo Tribunal Federal, eu gostaria de parabenizar o ministro pelos anos de serviço prestado a este país. Seus sonhos idealizados com Yara de ver em vida um empoderamento da população negra seguem em curso. Na trajetória pela emancipação da população negra brasileira, o caminho vem sendo construído desde que as populações escravizadas encontraram meios impensáveis de sobrevivência. Quando mesmo diante de tanta injustiça, encontraram forças para resistir. Desde que nossas mais velhas se sentaram pela primeira vez nos bancos da universidade, desde que saíram às ruas por dias melhores. E segue sendo construído onde quer que uma pessoa negra resista e exista no país.

Essa jornada do povo negro brasileiro conta com o apoio de algumas pessoas brancas, que, como aquelas que marcharam ao lado de Martin Luther King, se aliam para também serem agentes de transformação. E, nesse sentido, o ministro Lewandowski, ao longo de sua carreira, pode se orgulhar de ter sido um.

Saúdo-o diante de sua iminente aposentadoria, certa de que seguirá contribuindo para uma construção do direito brasileiro baseado na justiça, valor este presente também no magistério na Faculdade de Direito da USP.

Torço para que seja sucedido por uma mulher negra. Aliás, a ideia da Suprema Corte com mulheres negras, no plural, é uma ideia baseada na justa representação da sociedade.

Ao ministro Lewandowski, meus cumprimentos e votos de uma feliz aposentadoria.

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