Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Desde muito cedo, tenho verdadeiro horror à condescendência

Já dizia Lima Barreto, a capacidade do negro é julgada a priori, enquanto a do branco é a posteriori

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Desde muito cedo, mesmo sem saber dar nome, tenho verdadeiro horror à condescendência. Eu me lembro de ficar irritada com professoras que passavam a mão na minha cabeça quando eu levantava a mão para responder a alguma pergunta por julgarem que eu não saberia a resposta.

Essas situações foram se repetindo ao longo da minha adolescência e vida adulta. "Nossa, ela é inteligente", "uau, ela realmente sabe o que diz", sempre com uma expressão de espanto. Nem sempre aplausos significam admiração. Muitas vezes são a expressão de surpresa por parte de pessoas que julgavam que você não seria capaz.

O escritor Lima Barreto já disse. "A capacidade do negro é julgada a priori, enquanto a do branco é a posteriori."

Há alguns anos, encontrei alguns colegas brancos durante uma viagem a Nova York e, em todas as ocasiões em que estivemos juntos, eles não me deixavam falar com as pessoas nos locais onde estivemos. No restaurante, queriam traduzir os meus pedidos. Nas lojas, me explicavam exaustivamente o que era cada produto. Na rua, passavam à minha frente sempre dispostos a me ajudar na comunicação.

Num dado momento, eu disse que falava inglês perfeitamente, não precisava de ajuda e que, caso necessitasse, eu pediria. Eu já dei várias palestras em inglês, e eles sabiam disso, mas mesmo assim seguiram agindo dessa forma.

A condescendência é ofensiva porque quem a comete se julga superior. Uma coisa é ajudar quem de fato precisa ou pediu ajuda, outra coisa é não se conformar em tratar o outro como igual, pois isso ofende suas crenças limitantes.

Ilustração de fundo vermelho, com um rosto negro, de batom vermelho e cabelos cacheados, que aparece com os olhos cobertos por uma mão de tom rosa.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro, 13.jul.2023 - Folhapress

Pessoas que naturalizaram o lugar de submissão para pessoas negras, ou que passaram a vida sendo servidos por elas, não conseguem lidar quando veem uma que não está naquele lugar. Então, agir de modo condescendente é reafirmar esse lugar de superioridade, é amenizar o desconforto por ver uma pessoa negra em seu lugar de humanidade.

Outro lado horroroso é julgar que sempre é necessário elogiar o trabalho de uma pessoa negra. Uma coisa é desrespeitar, ser grosseiro e racista ao avaliar um trabalho, o que infelizmente acontece muito. Outra é colocar em um lugar de não poder criticar, pois isso é infantilizar a pessoa negra.

Todos os trabalhos são passíveis de críticas, desde que bem-feitas, e tratar o trabalho de pessoas negras como algo sempre incrível beira o ridículo.

Uma vez, para me defender, uma seguidora escreveu para um rapaz que me criticava: "você não pode falar assim com uma mulher negra". Por mais que ela tivesse boas intenções, confesso que me irritei profundamente. Eu respondi: "ele não pode falar assim porque os argumentos dele são falaciosos e eu sei perfeitamente identificar e responder a eles". E assim o fiz, e o forcei a rever todas suas bases argumentativas.

Uma vez, em um debate na USP sobre meu livro "Lugar de Fala", abracei minha interlocutora quando ela finalizou a leitura crítica da obra. Pareceu estranho para a maioria que acompanhava, mas explico. Eu estava tão cansada de grosserias, de homens que não leram o livro reforçando seus lugares de superioridade e de anti-intelectualismo, que fiquei emocionada quando ouvi uma crítica honesta. Eu respondi uma a uma das críticas, ela rebateu, eu segui respondendo. Foi nessa ocasião, em 2018, que pela primeira vez eu havia tido a experiência de um debate de alto nível sobre esse livro.

Após o evento, eu e minha interlocutora trocamos contato e voltamos a nos encontrar na Alemanha, no final daquele ano. O grande problema atualmente é o baixo nível de determinadas críticas, mas devemos agradecer quando essas são boas, porque nos fazem crescer e estimulam o debate crítico. Quando alguém me diz efusivamente que admira o meu trabalho, pergunto o porquê. Muitas vezes, a pessoa só quer mostrar que não é racista e, por isso, age com condescendência.

Prefiro os que explicam por que gostam, trazem excertos de algum dos meus livros, contam como determinada obra os tocou, discordam respeitosamente de alguns pontos, debatem profundamente no campo das ideias. Esses verdadeiramente respeitam meu trabalho.

Afinal, respeito, na maioria das vezes, é muito melhor do que admiração pura e simples. A condescendência fixa o trabalho de pessoas negras num lugar de inferioridade.

É justamente por isso que deveríamos abominá-la.

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