Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

O que acontece na Faixa de Gaza é uma grave violação dos direitos humanos

É por isso que a busca pela paz deve ser incessante, e os posicionamentos dos países, comprometidos com a verdade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

As pessoas mais jovens talvez não se lembrem, mas há 20 anos vivíamos com noticiários focados na cobertura da guerra dos Estados Unidos e seus aliados contra o Iraque.

Estávamos em um contexto de "guerra ao terror" impulsionado pelo 11 de Setembro. O ataque da organização Al Qaeda, liderada por Osama bin Laden, foi responsável pela morte de milhares de pessoas nos Estados Unidos, principalmente em Nova York, onde as Torres Gêmeas em Manhattan foram atingidas por dois aviões.

Em decorrência desse dia trágico, inúmeras ações políticas inconsequentes com o bem-estar da humanidade atingiram milhões de civis de forma dramática, e consequências estimularam, ainda mais, um radicalismo destrutivo de diversos atores sociais envolvidos no confronto.

A guerra contra o Iraque foi um ponto alto desse momento da história. Os americanos justificaram a invasão ao país sob o argumento de que o governo iraquiano liderado por Saddam Hussein produzia armas de destruição em massa.

A ilustração traz ao fundo bombardeios no céu e prédios de onde saem fumaças, à frente estão as silhuetas de um soldado e de uma bandeira em um pequeno mastro.
Aline Bispo

George W. Bush era o presidente dos Estados Unidos, enquanto Tony Blair era o primeiro-ministro do Reino Unido, aliado principal da coalizão invasora. Ambos apareciam com frequência diária na televisão. Contudo, ao contrário do que disseram, nenhuma arma de destruição em massa foi encontrada.

Fosse apenas uma questão de "caça às armas" tão somente, quem sabe seria justificável, mas, quando essa busca resultou na morte de crianças, civis de todos os formatos, destruição total de cidades inteiras; quando esta guerra justificou a existência de uma prisão indigna quanto Guantánamo, e ainda na edição de uma série de leis que seguem em vigência, restringindo direitos com peso desproporcional a pessoas vindas de grupos vulnerabilizados, entre outras consequências, então essa caça às armas —que nem sequer existiam— é um absurdo ético, político, moral sem tamanho.

Uma infâmia na história.

Daqueles anos de 2003, o tempo passou, mas as feridas seguem abertas. Recentemente, escrevi nesta Folha sobre o filme "O Mauritano", que retrata a saga de Mohamedou Ould Slahi, preso e torturado por anos, e solto após mais de uma década de pressão internacional sem que tenha sido feita nenhuma acusação formal, situação similar a dezenas de outras pessoas encarceradas eternamente no pequeno território dos Estados Unidos dentro de Cuba.

Um outro filme me marcou bastante. Ele volta um pouco na linha do tempo deste texto, para quando Estados Unidos e Reino Unido queriam a chancela da ONU para a iminente invasão no Iraque. A obra "Segredos Oficiais" conta a história de Katherine Gun, funcionária que trabalhava como tradutora na inteligência britânica.

Gun teve uma crise de consciência ao ficar ciente da espionagem e chantagem que membros representantes de nações que formavam o Conselho de Segurança da ONU sofreram para apoiar a justificativa de invasão criada pelos dois países. Gun vazou o material para o jornal The Observer e sofreu inúmeras retaliações.

Esse episódio mostra como a ONU pode ser buscada como um lugar estratégico para, inclusive, justificar ações políticas que resultam na morte indiscriminada, quando seu objetivo central é justamente o oposto. No caso retratado, o conselho não apoiou a invasão.

Vinte anos se passaram e o conselho se viu diante de mais uma guerra, a que acontece agora na Faixa de Gaza. Acredito que toda forma de terror deve ser denunciada e não podemos apoiar o que faz o grupo Hamas. Muitas mães choraram a morte de seus filhos, e não se pode jamais instrumentalizar as lágrimas de uma mãe, sob qualquer aspecto.

Porém, de forma alguma podem ser justificadas milhares de mortes de crianças e pessoas palestinas sob o argumento tão batido de "guerra ao terror", sem contextualizar o direito do povo palestino pela sua terra. O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez uma afirmação pontual nesse sentido e sofreu represálias injustas. Assim como devemos criticar a posição do governo Netanyahu, sem criminalizar o povo judeu.

Numa situação complexa, em que pessoas estão morrendo, é necessário agir emergencialmente. A diplomacia brasileira, que calhou de estar nesse momento na coordenação dos trabalhos do conselho, articulou um cessar-fogo com diversos países, o que não foi aceito pelos Estados Unidos, país com poder de veto, outra questão que merece ser revista.

O que acontece hoje na Faixa de Gaza é uma grave violação de direitos humanos. É justamente por isso que a busca pela paz deve ser incessante e o posicionamento dos países, quando for avaliado pela história, corresponda ao que se espera de nações comprometidas com a verdade.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.