Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Descrição de chapéu

Saúdo Maria Adelaide Amaral por relançar seu premiado romance

'Luísa (Quase uma História de Amor)', vencedor do Jabuti de melhor ficção de 1987, será reeditado pela Instante

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Na coluna desta semana quero falar sobre Maria Adelaide Amaral, que relança neste ano seu clássico "Luísa (Quase uma História de Amor)", romance premiado pelo Jabuti de melhor ficção em 1987. A obra ganha uma nova edição pela editora Instante, com prefácio do memorável jornalista Caio Fernando Abreu e texto inédito de apresentação pela autora.

Apresentar a trama à leitora e ao leitor que não a conhecem é uma tarefa árdua, pois resumir esse trabalho abundante da romancista pode não conferir o devido cuidado às histórias que se complexificam e simplificam, se distanciam e entrelaçam nos tantos pontos de vista dos personagens que contam sobre seus causos com Luísa.

Sobre um fundo amarelo mostarda, flores e máquina de escrever, está a figura de uma mulher deitada sobre almofadas. Ela usa um vestido azul claro, tem a pele vermelha e os cabelos loiros.
Aline Bispo

Mas então, com a devida licença, apenas para fins apenas de apresentação, Luísa é artista e diretora de arte na Redação de uma revista. Agora, entender quem é ela, de fato, exige um exercício de comunhão da visão dos personagens que a descrevem e narram episódios que viveram com ela. Essa atividade é enriquecida pela habilidade de Amaral em construir personagens tão diferentes entre si, o que nos leva à paixão pelo mistério que envolve sua protagonista.

Como analisa Caio Fernando Abreu, "para contar essa história, Maria Adelaide utiliza um recurso que pode não ser novo –mas se torna renovado pela precisão, pelo rigor e pelo vigor com que é utilizado aqui. Luísa é o perfil de uma personagem ausente. Ou cinco tentativas de perfis".

A história se passa numa São Paulo contada por personagens que vivenciaram as dores da ditadura militar e aproveitaram bastante o apogeu artístico da época, apresentando a dialética de um momento chave para a compreensão da democracia brasileira. Fazemos a travessia com a autora pelos bailes na Medieval, da rua Augusta, à missa de Vladimir Herzog, no centro. Foram anos de efervescência descritos com maestria no romance.

Parte dele se passa na Redação, local importante para compreender a perspectiva da autora à época da escrita. Segundo conta em seu texto de apresentação: "o martelar das teclas era o fundo musical das Redações de revistas e jornais, imersas em espessas nuvens de fumaça. Quase toda gente fumava nessa época, inclusive eu. Nesse cenário e nesse tempo comecei a escrever 'Luísa (Quase uma História de Amor)'".

Luísa é mais que um mistério sobre entender quem é essa protagonista. Vai além do cenário paulistano na ditadura militar e daquela Redação imersa em nuvens espessas de fumaça. É, também, uma travessia intelectual por inúmeras referências a obras, escritores e artistas, nacionais e internacionais trazidas pela esfinge Adelaide, como quem brinca generosamente conosco, abrindo uma rota para reflexão em cada página.

Três dos cinco personagens que apresentam Luísa a nós viveram faces de um romance que, tivesse sido unido pelo que houve de melhor neles, quem sabe ela teria vivido uma história de amor de verdade.

Ficando no quase, o livro nos presenteia com passagens sensíveis sobre Luísa, como quando Mário, seu ex-marido, conta sobre o dia em que ela disse: "demorei muitos anos para conhecer a serenidade", naquele momento da obra uma síntese do fim do conflito da protagonista por querer ser e viver mais do que uma certa mediocridade entenderia como ideal.

Ou, ainda, a depender do relato, poderia ser um momento final de paz da protagonista com seu desejado estado de solidão e a serenidade vinha para lhe dizer que querer estar sozinha, quem sabe sem nenhum dos cinco observadores, fosse o ideal.

Custo a acreditar, contudo, que essa frase seria a expressão de um desequilíbrio e de uma duvidosa paz interior, como acreditava Mário. Só nos cabe conjeturar, pois, para quem desconfia do relato alheio, saber quem é Luísa e o que ela queria, é uma tarefa impossível.

Com a reedição deste trabalho marcante, Maria Adelaide Amaral presenteia seus leitores e leitoras com a oportunidade —para uns de reencontro, para outras de encontro— com as faces contadas de Luísa.

Como cantou Milton Nascimento, "Maria, Maria é um dom, uma certa magia", um belo retrato da dramaturga. Saúdo a brilhante escritora, confreira imortal da cadeira número 35 da Academia Paulista de Letras, mas sobretudo deixo meu abraço apertado para a amiga querida Maria Adelaide, parabenizando-a por esta belíssima obra.

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