Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Descrição de chapéu Todas indústria COP28

As tragédias humanas e ambientais geradas por empresas e a neocolonização

Braskem, Vale, Union Carbide... assim caminha a desumanidade

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Aproveitando a COP28, que promete novos marcos para o meio ambiente, vamos relembrar um dos maiores desastres industriais de toda a história, ocorrido entre 2 e 3 de 1984: o vazamento de gás tóxico da fábrica de pesticidas da Union Carbide (atualmente parte da gigante Dow Chemical) em Bhopal, 700 km ao sul da capital Nova Deli, na Índia.

Mais de 2.000 pessoas morreram imediatamente, mas o gás contaminou o lençol freático e continuou produzindo mortes e doenças ao longo do tempo, tais como problemas respiratórios e cegueira. Atualmente, segundo dados oficiais do governo da indiano, estima-se que mais de 600 mil pessoas sofreram impactos diretos na saúde e que 25 mil pessoas morreram em razão do vazamento. Além disso, 150 mil seguem sofrendo com sequelas.

Desde então, a Union Carbide foi comprada pela Dow Chemical, a qual, mesmo ciente da empresa que havia comprado, incluindo seu histórico, não se responsabiliza pelo ocorrido. Entre tantas consequências infelizes, a batalha judicial por reparação aos atingidos segue nas cortes indianas, que são incapazes de responder à população.

Passados 39 anos desse atentado à população e ao meio ambiente, vejo esse episódio para pensar sobre essas questões no Brasil. Ao longo da história, podemos citar uma série de casos em que os desastres causados por empresas levaram à morte e graves sequelas à população, além de danos ao meio ambiente.

São resultado da ganância insaciável, que entende por boa gestão o desinvestimento em operações e precarização do trabalho, entre outros tantos fatores. Tudo isso com uma inaceitável negligência das agências reguladoras.

No centro da ilustração de fundo rosa está uma planta desidratada sobre um punhado de terra e abaixo da terra suas raízes aparecem expostas.
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro de 7 de dezembro de 2023 - Aline Souza/Folhapress

A título de exemplo, está fresco na memória o rompimentos da barragem na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019, nas Minas Gerais. Uma comunidade inteira foi enterrada pela avalanche de lama que se espalhou sem que nenhum sinal de alerta fosse emitido, impossibilitando reação de fuga dos moradores. Ao todo, 270 pessoas foram mortas e milhares atingidas. A lama ainda avançou sobre a mata atlântica, causando um inestimável dano ao meio ambiente, como também avançou sobre a bacia do rio Paraopeba, cuja água segue até hoje imprópria para qualquer fim.

As operações estavam sob responsabilidade da Vale S.A., empresa que foi privatizada para que pudesse supostamente prestar um serviço mais "eficiente" à população. Diante da manifesta ineficiência pelo desastre, há ainda um elemento adicional: a responsabilização comedida. Em 2021, a empresa informou um lucro líquido anual de R$ 121,2 bilhões. De outro lado, nesse mesmo ano, a empresa fechou acordo com órgãos da Justiça para reparar a população e o meio ambiente em R$ 37,6 bilhões de reais.

Convenhamos, gastar R$ 37 bi em acordo perto de R$ 121 bi de lucro após produzir uma das maiores catástrofes da história do país (e isso porque sequer mencionamos a barragem de Mariana) é um "sucesso" do business, com os cumprimentos do ineficiente Judiciário brasileiro e do poder público em geral.

Vejamos, agora, como fica a situação do povo de Alagoas. Dezenas de milhares de pessoas tiveram de deixar as suas casas. Estabelecimentos, escolas e hospitais foram fechados, bairros inteiros foram abandonados e afundam gradativamente em razão da exploração de sal-gema por décadas no subsolo da capital.

A operação do desastre industrial é da empresa Braskem, que contou com a parceria do governo brasileiro desde os tempos da ditadura. Nos anos 70, como informa reportagem do jornal The Intercept, o regime investiu na criação da empresa Salgema Indústrias Químicas, que, em 2002, foi comprada pela Braskem –a qual, assim como sua concorrente Dow Chemical, também estava ciente do que estava comprando.

Em 1999, nos 15 anos do vazamento de gás em Bhopal, moradores enforcam bonecos representando Warren Anderson e outros executivos da Union Carbide - AFP

Segundo entrevistas no podcast Café da Manhã, desta Folha, moradores afetados reclamam da dificuldade de conversar com a empresa. Some-se a isso o aumento da demanda por moradia, que se torna mais cara devido à especulação imobiliária. Reclamam também da falta de parceria entre município, estado e União para encaminhar a resolução da crise e dos valores da indenização pagos pela empresa a partir de acordo com a Justiça. Vidas perdidas, meio ambiente destruído, pessoas desabrigadas, processos de neocolonização a todo pavor.

Anos passarão, essas empresas investirão em festivais culturais literários, pessoas famosas do meio artístico farão um tributo às vítimas cantando, talvez entrevistando familiares em programas com músicas sensacionalistas ao fundo, ou ainda, em eventos sobre diversidade.

E assim caminha a desumanidade.

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