Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Um tratamento da Covid-19 pelo sangue

Uso de plasma de convalescentes pode tratar a nova doença, mas merece avaliação rigorosa

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A ideia não é nova. Em 1890, Emil Adolf von Behring e Shibasaburo Kitasato publicaram um estudo mostrando a cura de ratos e outros animais inoculados com soro de animais previamente infectados com bactérias altamente virulentas.

Um ano mais tarde, esse método, batizado como “imunização passiva”, foi usado com sucesso para tratar uma criança acometida de difteria. Até então, cerca de 50 mil crianças alemãs já haviam morrido pela doença e o novo tratamento mudou a história da medicina. Merecidamente, Behring recebeu o primeiro Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina no ano de 1901.

Muitos estudos mostraram que anticorpos, encontrados no plasma das pessoas que já passaram por uma infecção, poderiam ser usados com segurança. Eles funcionariam como mísseis direcionados a germes específicos, previamente desenvolvidos no sangue de algumas pessoas cujo sistema de defesa conseguiu montar uma guarda eficiente para novos ataques. Várias doenças foram tratadas com sucesso usando essa estratégia.

É importante lembrar que, até a segunda metade do século 20, não havia medicamentos que destroem diretamente os germes, como antibióticos e antivirais, para o tratamento de doenças infecciosas. O uso desse plasma, denominado “convalescente”, mostrou-se uma arma valiosa.

Durante a gripe espanhola, pandemia causada pelo vírus influenza H1N1 no início do século 20 e que levou à morte cerca de 50 a 100 milhões de pessoas, plasma convalescente foi administrado a mais de 1.700 pacientes, reduzindo pela metade a mortalidade nesse grupo. Foi também empregado durante outros surtos, incluindo o de ebola, na África, e o da febre hemorrágica pelo vírus Junin, na Argentina, ambos na década de 70. São situações de combate a doenças infecciosas que têm algo em comum: não têm tratamento específico, podem ser mortais e se espalham rapidamente.

Entretanto, esta abordagem não é simples nem isenta de riscos. É preciso identificar as pessoas que têm melhor defesa, ou seja, cujos plasmas têm anticorpos bons e em alta concentração.

Vários projetos de pesquisa estão em andamento para avaliar o uso do plasma convalescente na pandemia da Covid-19. A doação de sangue de pacientes que se curaram da doença deve seguir rigorosamente todos os procedimentos de segurança já estabelecidos, como afastar outras infecções que podem ser transmitidas pela transfusão desse componente do sangue. O uso em pessoas gravemente doentes, como as afetadas pela Covid-19, ofereceainda um desafio adicional, já que podem ocorrer reações alérgicas e outros efeitos colaterais.

Um número ainda pequeno de pacientes foi tratado na China e nos Estados Unidos, com resultados promissores. Instituições brasileiras estão se organizando para seguir o mesmo caminho de investigação, com protocolos clínicos bastante cuidadosos.

Pesquisadora na Alemanha trabalha com plasma de pacientes recuperados da Covid-19
Pesquisadora na Alemanha trabalha com plasma de pacientes recuperados da Covid-19 - Reuters

Será essa uma boa arma no tratamento dos casos graves da Covid-19? Esperamos ter essa resposta em breve. Para tal, muitas questões precisam também ser respondidas. Qual é o melhor doador? Qual paciente vai se beneficiar mais? Quais são os riscos reais? Qual a capacidade de obtermos esse tratamento em maior escala?

Aqui, não bastam apenas suposições, mas dados analisados com a aplicação rigorosa dos estudos clínicos, comparando criteriosamente os pacientes que receberam e os que não receberam o plasma convalescente, com análise atenta e objetiva.

A pandemia de Covid-19 exige respostas rápidas. E a ciência é a melhor forma de encontrá-las.

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