Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu Coronavírus

A polêmica sobre a infecção experimental de humanos para estudos clínicos

Estudos podem apressar desenvolvimento de novos tratamentos e vacinas e salvar vidas

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No último domingo, Hélio Schwartsman trouxe uma interessante provocação em sua coluna na Folha. Questionou a realização de pesquisas com infecção experimental em humanos. Vou elaborar um pouco mais sobre o assunto.

É defensável realizar um estudo para dar um agente infeccioso a uma pessoa saudável? Poderíamos entender o período de incubação, de multiplicação viral no organismo, os sinais e sintomas que caracterizam a doença e o tempo transcorrido até a melhora e a cura. Mais do que isso, poderíamos testar medicamentos preventivos, tratamentos e vacinas.

Pesquisadora analisa amostras de pacientes infectados pelo coronavírus em Barcelona - Francisco Avia/Xinhua

Antes que o leitor se aborreça com tal proposição, são importantes algumas considerações.

A história tem exemplos deploráveis. Experimentos terríveis foram descritos em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, quando pessoas foram propositalmente infectadas pelo bacilo da tuberculose para que a doença fosse estudada.

Há também exemplos virtuosos. Um deles serviu de base para o descobrimento das vacinas. Em 1796, Edward Jenner inoculou James Phipps, um garoto de oito anos, com o vírus da varíola bovina, que provocava vesículas na mão de ordenhadeiras. Semelhante, mas menos virulento que o vírus da varíola humana, conseguiu conferir proteção adequada ao garoto, que ficou imune a essa doença, responsável pela morte de 300 milhões a 540 milhões de pessoas, somente no século 20.

Tais experimentos aumentaram nas últimas décadas, em situações cada vez mais controladas. Já foram feitos estudos com gripe, malária, dengue, cólera e febre tifoide. Em todos, foi escolhido um representante do agente com menor virulência e um grupo de voluntários com baixíssimo risco de desenvolver doença grave.

As informações obtidas em tais projetos são de grande importância, sugerindo que essa prática deva ser considerada para condições onde há maiores limitações na avaliação de prevenção ou tratamento, como sugerido em documento da Organização Mundial da Saúde.

Estamos diante de uma pandemia com enorme impacto mundial, sem precedentes nos tempos recentes. O desenvolvimento urgente de novos medicamentos e vacinas é a única forma de superar tamanha crise, antes que a infecção alcance uma porcentagem ainda maior da população.

Para provar que um medicamento funciona, são necessárias centenas de pacientes. Para uma vacina, um estudo pode requerer milhares. Podemos esperar tanto tempo? O enfrentamento de uma pandemia como a da Covid-19 requer soluções rápidas.

Várias estratégias podem minimizar os riscos: escolher voluntários entre 18 e 30 anos, sem outros problemas de saúde, que residam em áreas onde há circulação do novo coronavírus, recebê-los em um hospital no período de infecção experimental, minimizando a chance de transmissão para outros e oferecer todo o suporte disponível.

Faria, aqui, uma ressalva ao comentário de Hélio Schwartsman, no uso do termo "cobaia".

A pesquisa clínica no Brasil é regida por normas rigorosas, monitoradas pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que protege o participante, garantindo sua total liberdade em participar, ao mesmo tempo zelando pela proteção do voluntário. Aliás, nunca é demais enfatizar o quanto somos gratos aos voluntários de estudos de pesquisa. São contribuições inestimáveis para toda a coletividade.

Estudos com infecções experimentais pelo novo coronavírus podem apressar o desenvolvimento de novos tratamentos e vacinas e salvar a vida de centenas de milhares de pessoas.

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