Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Varíola dos macacos abaixo do radar

Uma doença varrida para debaixo do tapete?

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Há alguns meses, as notícias de saúde centraram fogo sobre uma doença que era somente uma menção curiosa em livros de infectologia. Casos de varíola dos macacos passaram a ser notificados em vários países da Europa.

Foi uma onda explosiva de casos. Só no estado de São Paulo já foram contabilizados mais de 4.000 casos, com pico no fim de julho e início de agosto de 2022. Causada por um vírus que é transmitido principalmente por via sexual, provoca lesões de pele e em superfícies mucosas (como boca, ânus, vagina).

A grande maioria das pessoas com varíola dos macacos adquiriu o vírus em relações sexuais. Embora alguns especialistas ainda resistam em classificar a doença como sexualmente transmissível, o corpo de evidências aponta para tal.

Doses de vacina contra a varíola dos macacos prontas para aplicação, na França; é essencial fornecer o imunizante aos mais vulneráveis - Francois Lo Presti - 10.ago.2022/AFP

Algo, contudo, chamou a atenção. A onda de casos caiu significativamente nas semanas que se seguiram. O mesmo padrão ocorreu em países europeus e nos Estados Unidos. O número está comparativamente mais baixo, mas ainda aparecem casos.

Como entender o que está acontecendo? A primeira explicação deriva da alta vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissíveis. 57% dos casos do estado de São Paulo ocorreram em pessoas que vivem com HIV, muitos com vários parceiros sexuais. Também foi observada, concomitantemente, a ocorrência de outras infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis.

Aparentemente, o vírus da varíola dos macacos encontrou uma rede de transmissão sexual em pessoas vulneráveis. A grande onda parece ter se exaurido com o tempo, ao menos em parte, neste grupo da sociedade.

A adoção de medidas para diminuição da transmissão, como cancelamento de encontros e redução do número de parceiros sexuais, também parece ter tido um efeito temporário.

O que esperar? O vírus está indo embora e tudo será resolvido?

Ao contrário, toda cautela é pouca. Vide outras doenças infecciosas com as quais ainda lutamos, como o HIV e a Covid-19.

Os casos de varíola dos macacos continuam, sim, aparecendo. E alguns outros sinais capturam a atenção de especialistas.

O primeiro é que, aparentemente, as pessoas "têm aprendido" a conviver com as lesões. No início, qualquer lesão de pele fazia com que recorressem aos serviços de saúde. Com o tempo, muitos perceberam que as feridas tendem a sumir após algumas semanas e que poucos desenvolvem doença grave. De fato, a despeito de milhares de casos no Brasil, ocorreram quatro mortes em pacientes com doença prévia grave. As mortes não aconteceram em quem tem boa saúde.

As lesões acabam se resolvendo na grande maioria das vezes. Este fato, junto à indisponibilidade do tratamento da doença no Brasil, faz com que muitos desistam de procurar os serviços de saúde. Preferem ficar em casa e evitar discriminação e preconceito, usualmente associados ao diagnóstico de infecções sexualmente transmissíveis.

É claro que isso é ruim para o combate à doença. A melhor alternativa seria reconhecermos que a doença não foi embora. Cabe ampliar a informação sobre a varíola dos macacos e disponibilizar o remédio para tratamento, o Tecovirimat, para as formas mais agressivas da doença. Além disso, buscar meios de fornecer vacinas para os mais vulneráveis.

Afinal, os países com mais recursos e que priorizam o combate à varíola dos macacos já estão vacinando há meses. Aqui, esta iniciativa ainda é incipiente, com a implementação prevista de um número restrito de doses nas próximas semanas.

Como está, o vírus tende a circular abaixo do radar dos sistemas de detecção em saúde coletiva. Fica a impressão de que sabe-se pouco sobre o que está se passando, a menos que novas medidas ganhem prioridade no Brasil.

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