Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Descrição de chapéu The New York Times

Movimento ambiental não sabe o que fazer com poder que conquistou

Na Califórnia, progressistas não estão nem perto de um acordo sobre como construir novo sistema de energia

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The New York Times

Quando conversei com Gavin Newsom, o governador da Califórnia, ele estava claramente frustrado. "Isso é ridículo", afirmou. "Esses caras escrevem relatórios e protestam. Mas precisamos construir. Você não pode levar a sério o clima e o ambiente sem reformar as licenças e as aquisições neste estado."

Ser martelado por seus amigos é doloroso. E é o que está acontecendo com Newsom. Mais de cem grupos ambientais –incluindo o Sierra Club da Califórnia e o Centro de Defesa Ambiental– se uniram para lutar contra um pacote que o governador criou para facilitar a construção de infraestrutura na Califórnia.

Turbinas de geração de energia eólica em Ocotillo, na Califórnia
Turbinas de geração de energia eólica em Ocotillo, na Califórnia - Sandy Huffaker/The New York Times

Para Newsom, é uma pausa dolorosa. "Lambi envelopes para essas organizações quando criança. Meu pai fez parte do conselho do Fundo de Defesa Jurídica do Sierra Club por mais de dez anos. Essa era a minha vida. Mas essa rigidez e pureza ideológica vão prejudicar o progresso. Fiz as leis climáticas em 2022, e esses mesmos grupos as aplaudiram. Isso não significa nada, a menos que possamos entregar."

O movimento ambiental lida hoje com a confusão de não saber o que fazer com o poder que conquistou. Centenas de bilhões de dólares estão sendo investidos em infraestrutura para energia limpa, e metas de descarbonização antes fora de questão estão sendo transformadas em lei. Isso é fato na Califórnia, que se comprometeu a ser neutra em carbono e a operar a rede elétrica com 100% de energia limpa até 2045.

Atingir essas metas exige que a Califórnia quase quadruplique a quantidade de eletricidade que pode gerar –e mude o que obtém hoje de combustíveis poluentes para fontes limpas. Isso significa destinar grandes áreas a fazendas solares, turbinas eólicas e sistemas geotérmicos, construir linhas de transmissão para mover essa energia de onde é produzida para onde é necessária e criar estações de carregamento para veículos elétricos suficientes para possibilitar a proibição dos carros com motor de combustão interna.

Tomada como um todo, é uma tarefa de construção maior do que qualquer coisa que o estado já tentou e precisa ser concluída numa velocidade que nada na história recente da Califórnia sugere ser possível.

A Califórnia ficou famosa pelo que deixa de construir. Newsom sabe disso. "Como prefeito, vice-governador e agora como governador vi os anos se tornarem décadas nos trens de alta velocidade", disse. "As pessoas estão perdendo a confiança na nossa capacidade de construir grandes coisas. Elas olham para mim e perguntam: 'Que diabos aconteceu com a Califórnia dos anos 1950 e 1960?'"

Mas o problema imediato de Newsom é o governo Biden. Porque ele também se concentrou em como ficou difícil construir –não só na Califórnia. "Esses atrasos são generalizados em todos os níveis –federal, estadual e local", disse John Podesta, consultor sênior de Biden sobre energia limpa, em discurso no mês passado. "Ficamos tão bons em parar projetos que esquecemos como construir coisas nos EUA."

Para aumentar os problemas de Newsom, os recentes superávits da Califórnia se transformaram em déficits. Ele precisa de dinheiro federal, e muito, para cumprir suas promessas climáticas. Se a Califórnia não conseguir essas dotações, ficará aquém de seus objetivos.

"Vamos perder bilhões de dólares na situação atual", disse-me ele. "O estado não pode cobrir isso. E estamos perdendo parte deles para estados vermelhos [republicanos]! Estou indignado. Os beneficiários de muitos desses dólares são estados vermelhos que não dão a mínima para essas questões e estão recebendo os projetos. Não estamos recebendo o dinheiro porque nossas regras estão atrapalhando."

A amplitude da oposição e a emoção na defesa de Newsom me deixaram um pouco despreparado para seu verdadeiro pacote de permissões, uma coleção de políticas específicas, em sua maioria modestas.

Quando uma ação é movida sob a Lei de Qualidade Ambiental, todos os emails entre funcionários da agência devem fazer parte do registro ou só os vistos pelos tomadores de decisão? O contencioso ambiental deve ser limitado a 270 dias para certos tipos de infraestrutura? O Departamento de Transportes deve contratar trabalhos por tipo ou tem de executar uma nova licitação para cada tarefa? As 15 espécies ameaçadas hoje classificadas de "totalmente protegidas" devem ser reclassificadas como "ameaçadas" para tornar a construção perto delas menos onerosa? E assim por diante.

Esta não é uma reforma radical das leis de proteção ambiental da Califórnia. Ela não segue as recentes reformas habitacionais que usam processos de planejamento estaduais para driblar governos municipais. As mudanças propostas na Lei de Qualidade Ambiental são indiscutivelmente mais modestas que as feitas, quase sem aviso prévio, na Lei de Política Ambiental Nacional como parte do trato do teto da dívida.

Grande parte da luta está sendo enquadrada como uma disputa sobre o processo. Newsom, como costuma fazer, está enviando o pacote por meio de um processo acelerado. Poderia passar em poucas semanas. Os grupos de oposição dizem que agir tão rapidamente "exclui o público e as partes interessadas e evita a deliberação aberta e transparente de políticas importantes e complexas".

Newsom revira os olhos. Esses mesmos grupos, disse, "nos apoiaram quando aprovamos as leis ambientais no ano passado pelo mesmo processo". "E esses objetivos não significam nada sem isso."

A afirmação que Newsom está fazendo não é que todo desenvolvimento é bom, mas que o desenvolvimento se tornou muito fácil de parar, ou pelo menos atrasar. Ele está certo? Pode-se dizer que depende do projeto em questão. Mas os formuladores de políticas precisam estabelecer regras amplas.

Quanto mais difícil for interromper o desenvolvimento, maior a probabilidade de que projetos ruins sejam feitos. Quanto mais fácil for interromper o desenvolvimento, maior a probabilidade de que bons projetos sejam bloqueados. Muitas vezes, a questão não é se um projeto é bom ou ruim, mas a quem ajuda e quem arca com os custos. Um parque eólico pode ser bom para o estado e um incômodo para seus vizinhos.

Estou um pouco cético de que o pacote de Newsom seja importante o suficiente para merecer a polêmica que criou. Mas a luta não é apenas sobre esse pacote. Todos os envolvidos acreditam que ainda há muitas reformas permissivas por vir, à medida que o mundo esquenta, o relógio corre contra as metas da Califórnia e o governo federal começa a aplicar mais pressão.

Estes são os estágios iniciais de uma transição de um liberalismo que gasta para um liberalismo que constrói. Será uma confusão. Até agora, os progressistas têm estado unidos na luta contra a crise climática. Eles queriam mais dinheiro para energia limpa e metas mais ambiciosas para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis —e conseguiram. Agora esse novo sistema de energia precisa ser construído, e rapidamente. E os progressistas não estão nem perto de um acordo sobre como fazer isso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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