Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Descrição de chapéu Partido Republicano

Ron DeSantis tenta associar Trump à esquerda em livro-campanha

Pré-candidato à Presidência critica o que vê como relutância do adversário em usar seu poder para combater progressistas

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Livros de campanha escritos por políticos em geral são descartados, vistos como material superficial voltado a grupos focais. Discordo. É possível descobrir muito observando como eles querem ser vistos.

É o caso de "The Courage to be Free" (a coragem de ser livre), de Ron DeSantis. Não é exatamente um bom livro. Mas é revelador. Enquanto lia, comecei a anotar cada vez que o político contava uma história sobre usar o poder de seu cargo para punir ou descartar algo ou alguém que considerava um inimigo.

Exemplares do livro do governador da Flórida, Ron DeSantis, em um evento na Carolina do Sul - Sean Rayford - 19.abr.23/Getty Images via AFP

Há o projeto de lei para facilitar a abertura de processos contra empresas de tecnologia se você acha que elas discriminam sua posição política. Há as leis limitando o que os professores podem dizer sobre identidade de gênero e impondo penas a médicos que prestam certos tipos de atendimento nesse campo.

Há o esforço para punir a Disney, que se opôs às leis anti-LGBTQIA+ do político, retirando da empresa seu status de autonomia. Há a suspensão de Andrew Warren, o promotor público de Hillsborough County, porque o funcionário se negou a implementar leis que criminalizam o aborto. Há o processo de lei para elevar as penas impostas aos manifestantes do movimento Black Lives Matter.

E há também o que DeSantis quer fazer, mas ainda não fez. Ele considera que o governo federal ficou demasiado "woke" e "progressista" e que o Congresso deveria "reter verbas dos departamentos do Executivo infratores até que os abusos sejam corrigidos".

O político está frustrado pelo fato de Donald Trump não ter feito mais com um poder conhecido como Anexo F, que pode tornar a classificação de 50 mil funcionários federais mais parecida com a de nomeados políticos. Isso permitiria ao presidente "demitir funcionários federais que frustram suas políticas". DeSantis tentou facilitar o processo de veículos de mídia por difamação, embora esse plano tenha sido paralisado na legislatura da Flórida. Também já pediu uma "prestação de contas" nacional sobre a Covid e prometeu "responsabilizar" pessoas como Anthony Fauci por danos que teriam causado.

"Há anos a posição conservadora padrão tem sido limitar o governo e então sair do caminho", escreve. Tal relutância em utilizar o poder do governo para combater as forças da esquerda –incluindo o Facebook, a Disney, o governo, as escolas, a mídia e muitas outras— equivale a "essencialmente autorizar essas instituições a seguir adiante em sua marcha desimpedida por cima da sociedade".

Meu colega Carlos Lozada identificou muitas das críticas a Trump inseridas no livro, mas eu acrescentei mais uma à sua lista: o republicano está dizendo que o ex-presidente, não obstante todas suas queixas sobre o "Estado Profundo", teria evitado fazer uso pleno do poder da Presidência para destruir as forças ameaçadoras da esquerda. DeSantis procura mostrar, sucessivamente, que ele possui a vontade e a disciplina necessárias para fazer o que seu correligionário não fez. (O fato de Trump agora estar sob indiciamento federal por, entre outras coisas, ter mantido caixas com documentos sigilosos empilhadas num banheiro e espalhadas pelo chão de um depósito em Mar-a-Lago fortalece o argumento.)

Em vários momentos do livro, Trump aparece como uma figura levemente cômica. Quando DeSantis solicita ajuda federal após a devastação que o furacão Michael provocou de Panhandle, na Flórida, o ex-presidente, segundo o relato do governador, diz: "Eles me adoram em Panhandle. Devo ter recebido 90% dos votos de lá. Multidões enormes. Do que eles precisam?". Cabe ao chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney, pedir encarecidamente que o anúncio da assistência fosse adiado, porque o então presidente "nem sequer sabe o que concordou em fazer".

O Trump que emerge nas anedotas não dá conta dos detalhes e minúcias do governo. Isso fica mais claro no extenso relato de DeSantis sobre sua resposta à pandemia, em que ele se demora nos detalhes de suas decisões enquanto ataca Fauci como a personificação de um leviatã biomédico.

Como observa Lozada, o governador está criticando Trump indiretamente: Fauci serviu sob o ex-presidente, e DeSantis está deixando claro que ele jamais toleraria isso. A crítica ao ex-presidente não é tanto pelo fato de ele ter concordado com Fauci, mas porque ele não se importou o suficiente para determinar em que discordava do médico e como poderia fazer o Estado se dobrar à sua vontade.

Assim, o político se deleita em descrever o esforço metódico e incansável que empreendeu para fazer a Flórida se dobrar à sua vontade. Ele conta como chegou ao governo e mandou sua equipe de transição "redigir uma lista exaustiva de todos os poderes constitucionais, estatutários e habituais do governador". Boa parte do resto do livro é um relatório completo e às vezes cansativo de como ele usou esses poderes.

DeSantis se retrata como a figura que os progressistas temem há muito tempo: um Donald Trump que planeja, que coloca seus planos em ação. Uma dúvida é se é isso que os republicanos realmente querem. Em entrevista dada a Ben Shapiro, o governador tentou um contra-ataque diferente. "Ele vem me atacando ao se deslocar para a esquerda", disse sobre Trump. "Logo, é um sujeito diferente do de 2015 ou 2016."

O outro problema, tanto em sua escrita quanto sua campanha, é que ele não consegue tratar seus adversários com um mínimo que seja de compaixão. Quando descreve os protestos por George Floyd, não dedica nem uma palavra sequer a condenar ou lamentar o assassinato. Sua agenda anti-LGBT não é moderada por nem um mínimo sequer de solidariedade para com adolescentes do grupo.

Recentemente, DeSantis iniciou um discurso em New Hampshire falando sobre a queda de Joe Biden. "Não sei se ele se machucou", falou, "mas só quero dizer que desejamos a Biden uma recuperação rápida de quaisquer machucados que possa ter sofrido, mas também desejamos aos EUA uma recuperação rápida dos danos que sofreram por causa de Biden".

É uma piadinha sem classe, carregada de insinuações e dita sem um pingo de humor.

Mesmo assim, ele tem um argumento real a apresentar aos republicanos. Após a eleição de 2022, quando sua vitória não foi mais impressionante que as de Mike DeWine em Ohio ou de Jared Polis no Colorado, achei que o republicano tinha sido sobrevalorizado. Agora, porém, penso que ele está sendo subestimado.

Venho ouvindo seus discursos e entrevistas, e, embora ele não seja um talento do tipo que só aparece uma vez a cada geração e tenha aquele traço de crueldade gratuita, DeSantis não é tão tolhido e artificial em sua campanha quanto muitos progressistas parecem pensar. Os problemas técnicos do lançamento de sua campanha no Twitter Spaces não querem dizer nada. Ele possui a capacidade comprovada de vencer disputas difíceis. E ter índices de intenção de voto na casa dos 20 pontos percentuais, sendo que seu adversário, do mesmo partido, é um ex-presidente popular, não é um ponto de partida tão fraco assim.

Muita coisa ainda pode acontecer pela frente, e DeSantis já demonstrou que é um oportunista hábil.

Tradução de Clara Allain

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