Livros de campanha escritos por políticos em geral são descartados, vistos como material superficial voltado a grupos focais. Discordo. É possível descobrir muito observando como eles querem ser vistos.
É o caso de "The Courage to be Free" (a coragem de ser livre), de Ron DeSantis. Não é exatamente um bom livro. Mas é revelador. Enquanto lia, comecei a anotar cada vez que o político contava uma história sobre usar o poder de seu cargo para punir ou descartar algo ou alguém que considerava um inimigo.
Há o projeto de lei para facilitar a abertura de processos contra empresas de tecnologia se você acha que elas discriminam sua posição política. Há as leis limitando o que os professores podem dizer sobre identidade de gênero e impondo penas a médicos que prestam certos tipos de atendimento nesse campo.
Há o esforço para punir a Disney, que se opôs às leis anti-LGBTQIA+ do político, retirando da empresa seu status de autonomia. Há a suspensão de Andrew Warren, o promotor público de Hillsborough County, porque o funcionário se negou a implementar leis que criminalizam o aborto. Há o processo de lei para elevar as penas impostas aos manifestantes do movimento Black Lives Matter.
E há também o que DeSantis quer fazer, mas ainda não fez. Ele considera que o governo federal ficou demasiado "woke" e "progressista" e que o Congresso deveria "reter verbas dos departamentos do Executivo infratores até que os abusos sejam corrigidos".
O político está frustrado pelo fato de Donald Trump não ter feito mais com um poder conhecido como Anexo F, que pode tornar a classificação de 50 mil funcionários federais mais parecida com a de nomeados políticos. Isso permitiria ao presidente "demitir funcionários federais que frustram suas políticas". DeSantis tentou facilitar o processo de veículos de mídia por difamação, embora esse plano tenha sido paralisado na legislatura da Flórida. Também já pediu uma "prestação de contas" nacional sobre a Covid e prometeu "responsabilizar" pessoas como Anthony Fauci por danos que teriam causado.
"Há anos a posição conservadora padrão tem sido limitar o governo e então sair do caminho", escreve. Tal relutância em utilizar o poder do governo para combater as forças da esquerda –incluindo o Facebook, a Disney, o governo, as escolas, a mídia e muitas outras— equivale a "essencialmente autorizar essas instituições a seguir adiante em sua marcha desimpedida por cima da sociedade".
Meu colega Carlos Lozada identificou muitas das críticas a Trump inseridas no livro, mas eu acrescentei mais uma à sua lista: o republicano está dizendo que o ex-presidente, não obstante todas suas queixas sobre o "Estado Profundo", teria evitado fazer uso pleno do poder da Presidência para destruir as forças ameaçadoras da esquerda. DeSantis procura mostrar, sucessivamente, que ele possui a vontade e a disciplina necessárias para fazer o que seu correligionário não fez. (O fato de Trump agora estar sob indiciamento federal por, entre outras coisas, ter mantido caixas com documentos sigilosos empilhadas num banheiro e espalhadas pelo chão de um depósito em Mar-a-Lago fortalece o argumento.)
Em vários momentos do livro, Trump aparece como uma figura levemente cômica. Quando DeSantis solicita ajuda federal após a devastação que o furacão Michael provocou de Panhandle, na Flórida, o ex-presidente, segundo o relato do governador, diz: "Eles me adoram em Panhandle. Devo ter recebido 90% dos votos de lá. Multidões enormes. Do que eles precisam?". Cabe ao chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney, pedir encarecidamente que o anúncio da assistência fosse adiado, porque o então presidente "nem sequer sabe o que concordou em fazer".
O Trump que emerge nas anedotas não dá conta dos detalhes e minúcias do governo. Isso fica mais claro no extenso relato de DeSantis sobre sua resposta à pandemia, em que ele se demora nos detalhes de suas decisões enquanto ataca Fauci como a personificação de um leviatã biomédico.
Como observa Lozada, o governador está criticando Trump indiretamente: Fauci serviu sob o ex-presidente, e DeSantis está deixando claro que ele jamais toleraria isso. A crítica ao ex-presidente não é tanto pelo fato de ele ter concordado com Fauci, mas porque ele não se importou o suficiente para determinar em que discordava do médico e como poderia fazer o Estado se dobrar à sua vontade.
Assim, o político se deleita em descrever o esforço metódico e incansável que empreendeu para fazer a Flórida se dobrar à sua vontade. Ele conta como chegou ao governo e mandou sua equipe de transição "redigir uma lista exaustiva de todos os poderes constitucionais, estatutários e habituais do governador". Boa parte do resto do livro é um relatório completo e às vezes cansativo de como ele usou esses poderes.
DeSantis se retrata como a figura que os progressistas temem há muito tempo: um Donald Trump que planeja, que coloca seus planos em ação. Uma dúvida é se é isso que os republicanos realmente querem. Em entrevista dada a Ben Shapiro, o governador tentou um contra-ataque diferente. "Ele vem me atacando ao se deslocar para a esquerda", disse sobre Trump. "Logo, é um sujeito diferente do de 2015 ou 2016."
O outro problema, tanto em sua escrita quanto sua campanha, é que ele não consegue tratar seus adversários com um mínimo que seja de compaixão. Quando descreve os protestos por George Floyd, não dedica nem uma palavra sequer a condenar ou lamentar o assassinato. Sua agenda anti-LGBT não é moderada por nem um mínimo sequer de solidariedade para com adolescentes do grupo.
Recentemente, DeSantis iniciou um discurso em New Hampshire falando sobre a queda de Joe Biden. "Não sei se ele se machucou", falou, "mas só quero dizer que desejamos a Biden uma recuperação rápida de quaisquer machucados que possa ter sofrido, mas também desejamos aos EUA uma recuperação rápida dos danos que sofreram por causa de Biden".
É uma piadinha sem classe, carregada de insinuações e dita sem um pingo de humor.
Mesmo assim, ele tem um argumento real a apresentar aos republicanos. Após a eleição de 2022, quando sua vitória não foi mais impressionante que as de Mike DeWine em Ohio ou de Jared Polis no Colorado, achei que o republicano tinha sido sobrevalorizado. Agora, porém, penso que ele está sendo subestimado.
Venho ouvindo seus discursos e entrevistas, e, embora ele não seja um talento do tipo que só aparece uma vez a cada geração e tenha aquele traço de crueldade gratuita, DeSantis não é tão tolhido e artificial em sua campanha quanto muitos progressistas parecem pensar. Os problemas técnicos do lançamento de sua campanha no Twitter Spaces não querem dizer nada. Ele possui a capacidade comprovada de vencer disputas difíceis. E ter índices de intenção de voto na casa dos 20 pontos percentuais, sendo que seu adversário, do mesmo partido, é um ex-presidente popular, não é um ponto de partida tão fraco assim.
Muita coisa ainda pode acontecer pela frente, e DeSantis já demonstrou que é um oportunista hábil.
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