Glenn Greenwald

Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept

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Ucranianos morrem para satisfazer elite americana pró-guerra

Com prolongamento do conflito, população dos EUA passa a rejeitar maior envolvimento do país

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Há mais de 70 anos, as guerras travadas pelos EUA seguem um mesmo padrão: cada vez que uma nova guerra é proposta, o bombardeio de propaganda midiática e estatal é tão grande que a maioria do público se une em apoio.

Inevitavelmente, esse apoio vai se erodindo. Enquanto o conflito se arrasta, as promessas vão deixando de ser cumpridas e as previsões de uma vitória fácil são desmentidas pela realidade; a população começa a perceber que a guerra foi um erro, repensa o apoio e começa a exigir o seu fim.

Especialistas da polícia observam danos em área industrial da capital da Ucrânia, Kiev, após ataque russo - Sergei Supinsky - 21.set.23/AFP

Assim foi no Vietnã, no Iraque, no Afeganistão, na Síria e na Líbia. Aos poucos, esse padrão lamentável se repete na Ucrânia. Enquanto um terço da população americana se dizia favorável a apoiar a Ucrânia nos meses seguintes à invasão russa, uma pesquisa recentemente realizada pela CNN traz um cenário diferente: "Maioria dos americanos são contra mais ajuda à Ucrânia na guerra com a Rússia".

Já o presidente Joe Biden segue comprometido com a manutenção do envolvimento dos EUA no conflito, tendo em agosto solicitado ao Congresso o envio de um novo pacote de US$ 24 bilhões —além dos mais de US$ 100 bilhões que os EUA já empenharam na manutenção desse conflito.

A participação no conflito na Ucrânia também obedece a outro padrão histórico nos EUA a respeito de guerras: não há diferença nenhuma entre os establishments republicano e democrata.

Todos os democratas —desde Bernie Sanders, senador independente de Vermont, à congressista "de esquerda" Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York— vêm sendo unânimes em seu apoio à política de Biden de envio de bilhões e bilhões de dólares para fabricantes de armas como Raytheon e Boeing (o chamado complexo industrial-militar), para a CIA e para o notoriamente corrupto sistema político ucraniano.

O mesmo é verdade quando se trata dos setores tradicionais do Partido Republicano, que vem apoiando Biden de forma igualmente fervorosa, postura que pode ser exemplificada pelo líder do Senado, Mitch McConnell, político conservador tradicional e histórico no partido. Não se ouve nenhuma sinalização, por superficial que seja, no sentido de resolver o conflito diplomaticamente.

Mas, se é possível identificar a repetição de velhas dinâmicas, há desta vez uma novidade: o surgimento de uma ala populista e, ao menos pretensamente, antiguerra no Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente Donald Trump, que vem sendo o único setor na política dos EUA a se colocar contra esse conflito desde o princípio.

Cerca de 70 republicanos, na Câmara e no Senado —de modo geral, os que se colocam como alinhados a Trump— vêm manifestando sua oposição ao envolvimento na guerra, um número que só deve crescer à medida que mais e mais americanos comecem a se opor ao envio de mais recursos.

Essa estranha dinâmica política dos EUA pode ser vista no posicionamento dos candidatos presidenciais. Dois dos candidatos concorrendo à esquerda de Biden se opõem veementemente ao envio de mais armamentos e recursos para a Ucrânia: o desafiante democrata Robert F. Kennedy Jr. e o ativista e candidato independente Cornel West.

Por outro lado, os candidatos republicanos tradicionais, como o antigo vice de Trump, Mike Pence, e a governadora e ex-embaixadora na ONU Nikki Haley, apoiam fervorosamente a política de Biden.

Não é só na opinião pública que se pode perceber mudanças: a realidade da guerra em si mudou radicalmente desde a invasão russa. Desde o início de 2023, cerca de 20% do território ucraniano vem sendo ocupado pela Rússia, inclusive a península da Crimeia, ocupada pela Rússia desde 2014.

Para manter o apoio da opinião pública nos EUA e na Europa, "especialistas" insistiram que os ucranianos provavelmente reconquistariam grande parte de seu território neste ano. Porém, o que se vê é o oposto: "as linhas de frente na Ucrânia não mudaram quase nada no último inverno", reporta o New York Times, acrescentando que, "apesar de nove meses de conflito sangrento, menos de 1.300 km2 de território mudaram de lado desde o início do ano".

Enquanto o Ocidente estava soterrado em propaganda inspiradora sobre os bravos ucranianos ansiosos por lutar por sua liberdade, mais e mais homens ucranianos vêm tentando fugir do país desesperadamente para evitar uma guerra em que sabem que podem ser mortos.

O presidente do país, Volodimir Zelenski, luta não com um exército de voluntários, mas com um exército de conscritos. Ou seja: dezenas de milhares de jovens ucranianos que nunca quiseram participar da guerra foram mortos só neste ano em troca de nenhum benefício estratégico.

Os apoiadores da guerra nos EUA já nem se preocupam mais em fingir que essa é uma guerra virtuosa, visando defender a democracia: já se fala, cada vez mais abertamente, que a Ucrânia não está sendo salva, mas destruída, mas que isso deve ser apoiado assim mesmo porque ajuda no objetivo de enfraquecer a Rússia.

Em outras palavras, essa guerra é igual a todas as outras em sua dimensão mais importante: uma quantidade enorme de pessoas sem nenhum poder é levada a lutar e morrer, tudo para satisfazer os objetivos de uma parcela mínima das elites americanas, para quem a quantidade de mortos e os rastros de destruição não passam de uma nota de rodapé inconveniente.

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