Glenn Greenwald

Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept

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Descrição de chapéu Partido Republicano

Perseguição a Assange é ameaça à imprensa mundial

Joe Biden mantém pedido de extradição do jornalista preso no Reino Unido

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É raro ver grupos ocidentais de defesa da liberdade de imprensa concordarem sobre algum assunto. Mas eles são unânimes sobre uma questão: a perseguição do governo dos EUA contra Julian Assange é uma ameaça grave à imprensa livre.

Além desses grupos, na Austrália, único país em que Assange detém cidadania, o governo está exigindo dos EUA a retirada das acusações.

Lula frequentemente enaltece Assange como "herói", e repetidas vezes chamou de perigosas as acusações contra ele. Os veículos de imprensa que, em associação com o WikiLeaks, fundado por Assange, publicaram documentos secretos em 2010, incluindo o New York Times e The Guardian, se manifestaram contra essas ameaças à liberdade de imprensa.

Protestantes mexicanos seguram cartazes em defesa de Julian Assange. Um cartaz possui a fotografia do jornalista com os dizeres em espanhol: se guerras iniciam com mentiras, a paz se inicia com a verdade. À esquerda desse cartas, um outro manifestante segura uma faixa com os dizeres em inglês: liberdade para Julian Assange
Protestantes pedem a libertação de Julian Assange em manifestação contra deportações em massa, durante governo Biden, de imigrantes mexicanos - Claudio Cruz/AFP

A história do caso Assange é fundamental para que se compreenda a natureza dessas ameaças. Em 2012, o Equador concedeu asilo político a ele, que resistia às tentativas do governo sueco de levá-lo para Estocolmo para responder a acusações de assédio sexual feitas por duas mulheres.

A posição de Assange era idêntica à do governo equatoriano: ele estava disposto a pegar o próximo voo para Estocolmo e responder às acusações na justiça Sueca desde que fossem oferecidas garantias de que ele não seria entregue aos EUA, onde seria criminalmente processado por seu trabalho jornalístico.

Mediante a recusa sueca, o Equador ofereceu a Assange proteção contra a perseguição dos EUA. A mídia americana e britânica ridicularizaram repetidamente as preocupações equatorianas.

A história mostra que o governo do Equador estava certo, e a mídia anglófona, errada. Os EUA estão tentando extraditar Assange do Reino Unido para os EUA e colocá-lo na prisão pelo resto da vida pelo "crime" de produzir reportagens revelando a conduta do governo norte-americano.

Mesmo em 2012, era óbvio que o Equador estava certo. O governo Obama nunca escondeu seu desejo de ver Assange preso.

Ainda em 2012, WikiLeaks formou uma parceria com os maiores jornais do mundo para publicar um dos vazamentos mais significativos da história dos EUA. Essas reportagens só foram possíveis pelas ações corajosas de Chelsea Manning, uma militar dos EUA que obteve e enviou para o WikiLeaks um conjunto de documentos secretos que obteve quando servia o Exército dos EUA no Iraque.

Esses documentos expuseram crimes de guerra graves, mentiras e corrupção por parte dos governos dos EUA e do Reino Unido, bem como por parte de seus aliados ao redor do mundo, em especial no Oriente Médio.

O então editor do New York Times, Bill Keller, chegou a afirmar que as reportagens produzidas pelo WikiLeaks sobre os aliados despóticos dos EUA no Oriente Médio foram parcialmente responsáveis por desencadear a Primavera Àrabe.

Oficiais do governo Obama na CIA e no Departamento de Estado, liderados por Hillary Clinton, ficaram furiosos. Não que o WikiLeaks tivesse colocado em risco a vida de alguém —o governo dos EUA, por mais que alegasse, nunca foi capaz de produzir evidências de qualquer pessoa que tenha tido sua segurança posta em risco por causa dessas revelações.

O que os deixava furiosos era que o WikiLeaks estava revelando os crimes e as mentiras dos oficiais mais poderosos em Washington.

Entretanto, nessa tentativa de acusar Assange criminalmente, o governo Obama se deparou com o seguinte dilema: como seria possível acusar criminalmente Assange sem que também fossem acusados do mesmo crime os editores do New York Times, Guardian, El País e tantos outros jornais que publicaram os documentos em questão?

O Departamento de Justiça de Obama concluiu que não seria possível e, através de um vazamento publicado no Washington Post em 2013, deixou claro que Assange não seria indiciado criminalmente.

Os oficiais do governo Trump, entretanto, não deram tanta importância a esse dilema e, quatro anos depois, acusaram Assange formalmente de vários crimes com base em uma lei antiespionagem de mais de 100 anos atrás.

Em seguida, os EUA "convenceram" —ou coagiram— Lenin Moreno, novo e mais submisso presidente equatoriano, a retirar o asilo concedido a Assange. Assim, a polícia de Londres pôde entrar na embaixada equatoriana e prendê-lo em abril de 2019.

Desde então, Assange está na prisão de segurança máxima de Belmarsh, chamada pela BBC de "Guantánamo Britânica", enquanto os EUA seguem em busca da extradição.

A lei antiespionagem de 1917 nunca havia sido utilizada para punir aqueles que publicam informações secretas: historicamente, era usada contra agentes do governo que enviam informações secretas a jornalistas.

Acusar não só o responsável pelo vazamento, mas também o veículo que publica os documentos, é uma escalada preocupante. Infelizmente, o governo Biden parece compartilhar com Trump o desprezo pela liberdade de imprensa e vem se recusando veementemente a retirar as acusações contra Assange.

Assange está hoje no seu quarto ano de prisão, depois de ter passado 7 anos confinado na embaixada equatoriana. Seus médicos vêm emitindo alertas cada vez mais graves sobre a deterioração de sua saúde física e mental. O único crime pelo qual Assange foi condenado, e pelo qual foi preso pelas autoridades britânicas, é um caso de não comparecimento ao tribunal.

Quando o Departamento de Justiça do governo Trump revelou o indiciamento de Assange em 2019, escrevi um artigo no Washington Post alertando que a teoria legal por trás daquela acusação permitiria a criminalização do jornalismo investigativo no mundo todo.

Oito meses depois, procuradores brasileiros tentaram me acusar criminalmente pelo meu próprio trabalho jornalístico na Vaza Jato. A acusação usava exatamente o mesmo embasamento teórico dos EUA contra Assange: se um jornalista tenta ajudar sua fonte a permanecer anônima ou a incentiva a obter mais informações, então esse jornalista se torna um cúmplice da fonte.

O que Assange fez em sua conduta com Chelsea Manning —e o que eu fui acusado de fazer com a minha fonte na Vaza Jato— é o que todos os jornalistas investigativos têm não só o direito, mas a obrigação de fazer: proteger a sua fonte. Criminalizar isso é criminalizar o jornalismo.

O campo hegemônico no partido Democrata, nos EUA, e seus aliados na mídia corporativa detestam Assange porque ele revelou os crimes da CIA e do Pentágono, porque publicou documentos que incriminavam Hillary Clinton em meio a sua campanha presidencial contra Trump em 2016.

Nada disso deveria justificar mandar para prisão alguém que publicou material de interesse público. E tampouco muda a realidade de que Biden está efetivando uma acusação criminal que, se bem-sucedida, servirá de inspiração para governos no mundo todo criminalizarem o jornalismo que os incomoda.

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