Glenn Greenwald

Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept

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Rússia

Rótulo de 'extrema direita' virou instrumento para reprimir divergências

Críticas a Tucker Carlson mostram que "esquerda" e "direita" perderam seu significado

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Apresentador mais popular da história do noticiário na televisão a cabo nos EUA, Tucker Carlson lançou o primeiro episódio de seu novo programa desde sua demissão em 24 de abril pela Fox News. O episódio, que por enquanto aparece exclusivamente no Twitter, viralizou imediatamente, tendo sido visto por milhões.

A reação da mídia corporativa, que muitas vezes tem dificuldade em atrair uma fração desse público, foi tão previsível quanto negativa. A CNN expressou que ele "deu voz a algumas das ideias mais extremas da política de direita".

Estreia do programa de Tucker Carlson no Twitter
Estreia do programa de Tucker Carlson no Twitter - Reprodução

O Washington Post o chamou de "especialista de extrema direita" cujo monólogo foi "tingido de pensamento conspiratório e encharcado de desdém por outras mídias e figuras políticas".

O Guardian afirmou, sem evidências, que o episódio foi "recebido com escárnio generalizado" e parecia particularmente chateado por ele "insultar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski".

No entanto, se alguém parar para ver o que ele falou, perceberá que os termos "esquerda" e "direita" perderam sentido no discurso dos EUA, viraram apenas rótulos usados para estigmatizar dissidentes.

Chamar alguém de "extrema direita" já não revela quase nada sobre suas convicções. O monólogo de estreia de Carlson concentrou-se quase inteiramente na guerra por procuração na Ucrânia, travada pelos EUA e pela Otan contra a Rússia. O esforço de guerra ucraniano está sendo armado e financiado pelos EUA e seus aliados ocidentais e é a maior prioridade da CIA.

Carlson se opôs ao envolvimento dos EUA desde o princípio. Em seu monólogo de estreia no Twitter, ele mais uma vez questionou a política de alimentar uma guerra envolvendo EUA e Rússia, donos dos maiores estoques nucleares do planeta; expressou ceticismo sobre alegações ucranianas de que foi a Rússia que explodiu a barragem de Kakhovka, citando inúmeros exemplos em que a Ucrânia mentiu em situações similares, como quando acusou a Rússia de explodir o próprio oleoduto ou de estar por trás dos ataques de drone contra o Kremlin; e lembrou que os maiores defensores dessa guerra são os mesmos neoconservadores que falsamente disseram ao mundo que o Iraque tinha armas de destruição em massa.

Essa postura de oposição à guerra dos EUA/Otan coloca Carlson no mesmo lado de pessoas como Noam Chomsky, ícone da esquerda global, de setores importantes de partidos de esquerda em Alemanha, Espanha, Portugal, Grécia e Itália; do Congresso Nacional Africano, na África do Sul; do presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel Lopez Obrador; e, no Brasil, de Lula.

Se Carlson, portanto, está em concordância com boa parte da esquerda global, como pode ser caracterizado como "extrema direita"? Fica claro que esse termo teve seu sentido totalmente esvaziado, passando a ser usado contra qualquer pessoa que divirja do consenso neoliberal do Ocidente em relação a guerras, espionagem, censura e as diretrizes econômicas do chamado Consenso de Washington.

De longe, o que mais marca o trabalho de Carlson nos últimos seis anos é o ceticismo extremo, e às vezes desdém, com que ele trata as principais instituições de poder dos EUA. Seus alvos mais frequentes tem sido a CIA, o FBI, a NSA (Agência de Segurança Nacional), a mídia corporativa, as big techs.

Ele travou uma cruzada de dois anos em favor de perdão a Julian Assange, a quem trata como herói, em mais um ponto de convergência com Lula e a esquerda internacional.

Essas perspectivas, centrais para a visão de mundo de Carlson, estão muito associadas à esquerda clássica. Me senti tão à vontade aparecendo no programa de Carlson na Fox porque os alvos de suas críticas mais ferrenhas são justamente as agências de inteligência e instituições neoliberais que denunciei em minha carreira jornalística. O programa de Carlson era um dos poucos lugares na televisão dos EUA em que se podia ouvir esse tipo de oposição.

Existem, com certeza, diversas discordâncias entre Carlson e a maioria dos progressistas. Ele é um veemente opositor da imigração ilegal e do uso de medicamentos e cirurgias para menores trans, por exemplo.

Ao mesmo tempo, estrelas progressistas, como o senador Bernie Sanders e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, votaram a favor da autorização de US$ 40 bilhões para alimentar a guerra na Ucrânia e raramente ou nunca expressam ceticismo em relação às reivindicações da CIA ou do Pentágono.

Carlson está longe de ser um esquerdista, mas não há mundo em que ele e suas opiniões centrais possam ser definidos como "extrema direita", exceto um mundo em que esse termo seja apenas um instrumento armado para estigmatizar a dissidência do dogma estabelecido.

Rotular alguém de extrema direita hoje não diz respeito à ideologia, mas serve apenas para coagir quem expressa ceticismo em relação às políticas do complexo industrial-militar dos EUA.

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