Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Gustavo Alonso
Descrição de chapéu festa junina

Barretos, megaevento da redemocratização brasileira

Festa é um dos modos de viver a cultura popular de forma massiva

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Termina neste domingo, dia 27, a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, uma das megafestas populares que acontecem em nosso país. Embora quase sempre associemos o rodeio de Barretos a uma festa interiorana, o que poucos sabem é que sua história tem íntima relação com outros megaeventos surgidos nos anos 1980, como o Rock in Rio, o Sambódromo, a Oktoberfest, as festas juninas de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) e o festival do boi de Parintins (AM).

Criada em 1956 por um grupo de jovens autointitulados Os Independentes, a festa do peão de Barretos foi realizada até o ano de 1984 no Recinto Paulo de Lima Correa, no centro da cidade, onde eram realizadas exposições de gado da região.

Foi no contexto da redemocratização que a música sertaneja começou a ganhar status de megaevento. De um lado havia a sociedade civil organizada demandando novos formatos de festa. Do outro havia atores políticos interessados na valorização da cultura popular massiva.

E, assim, a partir de 1985, a festa passou a acontecer fora da cidade, numa área semirrural do município, sempre na segunda quinzena de agosto. No centro do Parque do Peão, área com mais de 2 milhões de metros quadrados de infraestrutura, foi criado o Estádio Polivalente de Rodeio, projetado por Oscar Niemeyer, com capacidade para 35 mil pessoas sentadas, inaugurado em 1989.

O presidente da associação Os Independentes, Mussa Calil Neto, visitou pessoalmente Niemeyer em fins de 1984 no Rio de Janeiro em busca de inspiração para a arena. O famoso arquiteto havia projetado o então recém-inaugurado Sambódromo, na Marquês de Sapucaí.

Mais do que inspiração, Mussa Calil conseguiu que o arquiteto comunista também assinasse o projeto de Barretos. Enquanto esteve no Rio, a comissão de Barretos encantou-se com a organização do Rock in Rio, grandioso show ao ar livre cuja primeira edição aconteceu entre 11 e 20 de janeiro de 1985, numa imensa área em Jacarepaguá, que ficou conhecida como Cidade do Rock, e contava com o maior palco do mundo construído até então. De forma que, além do Sambódromo, o Rock in Rio também serviu de inspiração para os sertanejos.

Outras festas populares também ganharam magnitude nos anos 1980. Foi o caso das festas juninas nordestinas, especialmente o São João de Campina Grande, na Paraíba, que passou a ser realizado a partir de 1986 numa grande área aberta chamada Parque do Povo, perto do centro da cidade.

Alguns anos mais tarde, a ideia seria imitada no São João de Caruaru, em Pernambuco. Desde então as duas cidades competem pelo "maior São João do mundo", em festejos massivos que duram todo o mês de junho.

No Amazonas foi criado em 1988 um enorme bumbódromo na cidade de Parintins, onde anualmente é realizado os festejos do boi. A festa acontece sempre no fim de junho e envolve afetivamente boa parte da região Norte na celebração.

No Sul do Brasil, a história se repetiu. Apesar da inspiração na colonização alemã, a Oktoberfest de Blumenau (SC) só foi criada em 1984, depois de a cidade ter sofrido uma forte enchente do rio Itajaí-Açu, que corta o município. A festa foi montada com o objetivo de recuperar a economia e levantar a moral dos habitantes. Atualmente, tem duração de 19 dias e é realizada no parque Vila Germânica.

Desfile da Oktoberfest Blumenau
Desfile da Oktoberfest 2023, em Blumenau - Divulgação

O que une todos esses eventos é uma nova forma de viver a cultura popular de forma massiva na redemocratização brasileira pós-ditadura. A maior parte dessas festas foi estimulada por políticos da oposição ao regime, interessados em novas formas de expressão popular para se distanciar do ufanismo ditatorial. Os partidos PDT e PMDB foram forças importantes nesse novo momento de reconstrução das festas populares.

No Rio de Janeiro, Brizola foi força motivadora da construção do Sambódromo, ao lado de lideranças como Darcy Ribeiro e Niemeyer. Na Paraíba, Ronaldo Cunha Lima; em Blumenau, Dalto dos Reis; em Barretos, Uebe Rezeck, foram prefeitos eleitos em 1982 pelo PMDB, partido de oposição à ditadura.

No Amazonas, foi fundamental para a construção do Bumbódromo de Parintins a atuação do então governador Amazonino Mendes, do Partido Democrata Cristão, que havia sido extinto durante a ditadura e voltava à vida na redemocratização.

Nada disso seria possível se não houvesse, além da motivação de novas forças políticas e da sociedade civil, condições técnicas para que tais megaeventos se realizassem. Surgiu no Brasil dos anos 1980 uma nova forma de viver a cultura popular de forma massiva. Estádios se tornaram arenas multiúso e se forjaram uma nova teatralidade massiva e performances para as multidões. A Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos foi fruto desse momento histórico que ainda reverbera entre nós.

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