Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Até quando julgaremos a obra de um artista somente pelas relações sociais?

Com turnê marcada, Victor & Leo lançam músicas enquanto enfrentam 'condenação social' após caso de violência doméstica

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Esta semana foram lançadas três músicas da dupla Victor & Leo nas redes sociais —"Só", "Alucinações" e "Amor e Simplicidade". As composições são de Victor Chaves, compositor de grande parte dos sucessos dos irmãos mineiros ao longo da carreira. No auge, ele foi o maior arrecadador de direitos autorais do país por três anos consecutivos, de 2009 a 2011. Na internet, o público se dividiu entre os que louvaram as canções e os que não esquecem a condenação de Victor por violência doméstica.

A dupla mineira de música sertaneja Victor & Leo
A dupla mineira de música sertaneja Victor & Leo - Divulgação

Em 2017, o compositor foi acusado de agredir sua mulher, num confuso caso que envolveu também sua mãe e irmã. Em agosto de 2018, a dupla de irmãos anunciou a separação por tempo indeterminado. Em 2019, Victor foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em primeira instância e recorre da sentença.

Ano passado, foi anunciada a volta da dupla. Haverá o lançamento de um novo disco, a ser gravado ao vivo no estádio do Morumbi, em São Paulo, em 23 de março, e uma nova turnê pelo Brasil foi anunciada. A Folha apurou que os irmãos ganharão cerca de R$ 70 milhões para uma série de shows pelo Brasil.

Apesar do sucesso comercial da empreitada, realizada em parceria com a empresa Opus Entretenimento, houve uma série de resistências à volta da dupla. A Folha também noticiou em 31 de janeiro que Victor & Leo estavam com dificuldades de se apresentar na TV aberta.

Em 15 de fevereiro, a dupla anunciou em suas redes sociais que havia descontinuado a parceria com a Opus Entretenimento e estava assumindo a gestão da turnê "Nossa História Não Termina Aqui", ao lado de algumas empresas do meio, como a Workshow —que estava empresariando a carreira solo de Leo—, a Trem Bala Promoções, a Q2 e a FourEven.

Isso tudo já se sabia. A novidade desta semana foi o lançamento das canções inéditas, afinal havia sido dito que a nova turnê não teria músicas novas. "Só", especialmente bela, parece querer ser a trilha sonora da volta dos irmãos —"até que um dia chegue a hora/ de você nunca mais ir embora/ a vida vai fazer você pensar melhor/ quando diz que quer viver/ só/ será bom se for.../ só/ só comigo". Uma canção de amor singela, de melodia simples e bela, como tantas da dupla, que parece falar da trajetória dos irmãos.

As três canções se parecem com boa parte da obra de Victor & Leo. Não há rupturas nem grandes inovações. A beleza das canções da dupla está na simplicidade criativa das composições de Victor, um músico de qualidade superior a muitos de seus pares sertanejos, e no casamento das vozes dos irmãos. A estética, embora nunca tenha se afastado da linguagem pop, sempre o fez sem cair em banalizações, modismos e frivolidades tão comuns no gênero.

Nada parece ter transformado a estética de Victor & Leo. Mas no contexto atual, em que a música sertaneja vem se tornando cada vez mais eletrônica nas vozes de cantores como Ana Castela, Luan Pereira, Zé Felipe e outros, que dominam as paradas de streaming, a faixa soa como bálsamo para aqueles que amam a música baseada no bonito violão bem tocado.

Resta saber até quando a dupla vai pagar o preço de Victor ter sido condenado por violência doméstica. Ainda que sua sentença ainda esteja em disputa na justiça, a condenação social é difícil de ser apagada. Um cancelamento marca por muito tempo.

A execração pública nos coloca a seguinte questão —até quando julgaremos a obra de um artista somente pelas relações sociais que a cercam, em vez de analisar a obra de arte em si? Entre os críticos, poucos quiseram saber se as músicas de Victor eram boas. Bastava saber que tinham sido compostas por alguém com uma condenação nas costas.

Recentemente até Franz Kafka foi cancelado, considerado machista e viciado em pornografia pelos justiceiros digitais moralistas. O tribunal da internet tem pouco a ver com a análise ponderada da obra artística em si, seja a literatura de um Kafka, seja a música de um Victor Chaves.

Trata-se mais de performar atitudes que constituem grupos que pensam igual sobre determinados temas. Tem a ver com a validação coletiva de pares em suas bolhas. Nada disso tem necessariamente a ver com justiça ou qualidade estética de qualquer obra de arte.

E ademais, não pode o artista ser um canalha e um gênio ao mesmo tempo? A trajetória de Michael Jackson prova que, se a biografia ajuda a compreender a obra de um artista, não deve ser a única régua para medir sua arte.

As canções de Victor Chaves seguem como um ponto alto da cultura pop brasileira. Mesmo que a cultura pop atual nem se interesse mais tanto por canções como as que Victor & Leo sempre fizeram.

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