Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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O propósito das empresas e a pandemia

Consumidores e companhias deixam claro que a direção a seguir é a do compartilhamento de riquezas com stakeholders

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A pandemia funcionou como um acelerador de tendências na sociedade. Mas determinadas tendências só ocorrem quando um conjunto de atores acelera mudanças em uma mesma direção. Esse é o caso da propensão das empresas em terem um propósito de contribuição para a sociedade e o meio ambiente que vá além da geração de lucro aos acionistas. Os consumidores, parte das empresas e os investidores são atores chave para esta mudança.

Em relação aos consumidores, a pandemia acelerou a tendência mostrada pelas pesquisas do Akatu ao longo dos últimos 18 anos, de que entre 56% e 68% dos consumidores esperam que as empresas contribuam ativamente para o desenvolvimento da sociedade. Em 2019, pergunta semelhante resultou em 55% concordando com este mesmo papel das empresas, adicionando que o governo deveria criar leis exigindo tal prática mesmo que isso leve a preços mais altos e a menos empregos.

Assim, já antes da pandemia, os consumidores revelaram impaciência com a ação voluntária por parte das empresas e recorreriam ao governo mesmo que tivessem que sofrer em preços e empregos. Na prática, isso quer dizer que há um desejo forte no consumidor de que a riqueza gerada pelas empresas seja compartilhada não apenas com os acionistas, mas com todos os stakeholders, para que ocorra o desenvolvimento da sociedade.

Pelo lado das empresas, conforme relatei em uma coluna anterior, a mesma tendência esteve presente em manifestações como a de Larry Fink, CEO do fundo BlackRock, um dos maiores investidores do planeta; do Business Roundtable, em agosto de 2019; e no Manifesto de Davos, em janeiro de 2020. Todas indicavam que ao menos uma parte das empresas também concordava que se deveria caminhar para um capitalismo de stakeholders em substituição ao dos acionistas (shareholders).

E, adicionalmente, os investidores institucionais também já demonstravam essa mesma tendência, como descreve um relatório recente da KPMG International ao comentar os resultados de um estudo com mais de 600 investidores institucionais de vários países. Suas conclusões surpreendem por percentuais elevados como 84% concordarem que maximizar os retornos dos acionistas não pode mais ser o objetivo primário de uma empresa e 86% considerarem investir com taxa menor de retorno, se isso significar investir em companhias que endereçam o tema da sustentabilidade.

Para os consumidores, a pandemia traz fatores de aceleração na direção de esperarem uma contribuição das empresas na transformação positiva da sociedade. Um primeiro fator foi o crescimento exponencial da digitalização, que tornou possível ao consumidor, praticamente em tempo real, conhecer o impacto das ações e omissões das empresas.

Um segundo fator foi a desigualdade escancarada pela pandemia, criando uma percepção de vulnerabilidade extrema e um correspondente surto de solidariedade que tornou impossível às empresas não contribuírem.

Um terceiro fator foi que a crise sanitária revelou uma ligação direta entre saúde e meio ambiente, pois ficou claro que um vírus com origem em animal silvestre chegou ao convívio humano por ter havido uma aproximação física, por desequilíbrio ambiental. Como mostrou David Attenborough em seu recente documentário Extinction: The Facts, que trata do que está causando a extinção da biodiversidade e ameaçando todo tipo de vida, tornando mais vulnerável a humana.

Um quarto fator vem do mote da pandemia que lembrou a todos que “cuidar do outro é cuidar de si mesmo”, ressaltando a interdependência que faz com que quanto melhor a sociedade, tão melhor estará cada um, levando as empresas a também cuidar dos outros para cuidar de si próprias.

A aceleração vertiginosa de mudanças nos vários atores teve um ápice simbólico em 13 de setembro de 2020, quando a Nasdaq anunciou publicamente, em seu enorme painel de letreiros luminosos, sua adesão ao Imperative 21.

Esse movimento propõe como imperativo assumir “a mudança do sistema econômico na direção de um bem-estar compartilhado e um planeta sustentável”. Nesse dia, o painel Nasdaq propunha, com todas as letras, “redefinir nosso sistema econômico, sair do extrativo para o regenerativo; sair do salário mínimo para o salário suficiente (living wage); sair do “winner takes all” para uma prosperidade compartilhada.

Se o Imperative 21 nasceu em setembro de 2019, por que a adesão agora e com tanta publicidade? Porque ficou clara a aceleração, causada pela pandemia, na percepção da sociedade de que o “aumento da desigualdade e da insegurança, assim como a instabilidade do clima”, coloca em dúvida se “é esse o futuro que queremos”, levando a pensar que “pessoas e planeta precisam ser respeitados e que a prosperidade precisa ser compartilhada”. Tudo nas palavras da Nasdaq em seu painel luminoso.

A pandemia trouxe um ponto de virada no qual massas críticas de consumidores, de investidores e de empresas tiveram o insight de que a direção a seguir deve proteger o planeta e compartilhar benefícios com os 99% — não apenas com o 1%, achando que se protegem atrás de muros agora totalmente transparentes.

Este é o maior propósito colocado para as empresas e acionistas: compartilhar com os stakeholders a riqueza gerada e a prosperidade, respeitando os limites planetários, de modo a se ter um bem-estar compartilhado por todos e para sempre.

Por hora, deixo apenas esse propósito mais geral, que veio para ficar e representa um enorme desafio de redefinição para o sistema econômico. Cada empresa só sobreviverá se praticar seu papel dentro desse propósito, tanto o papel emergencial, durante a pandemia, deixando marcas positivas no coração e na alma dos consumidores, como o papel transformador, contribuindo social e ambiental, dentro de seu próprio negócio de forma permanente.

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