A série Inocentes Presos dá o que pensar. Que a Justiça não é perfeita nós sempre soubemos. Mas ela erra de vez em quando ou está estruturalmente errada?
O ponto central, como já escrevi aqui, é que, nas últimas décadas, a ciência não tem sido muito gentil com o direito. É verdade que ela lhe forneceu ferramentas úteis, como as análises de DNA e outras tecnologias forenses, mas também lançou dúvidas sobre alguns alicerces fundamentais do direito.
A primeira reportagem da série tratou dos erros de identificação baseados em testemunhos. E o que a ciência nos diz sobre identificações e testemunhos? Basicamente, que eles têm problemas. Embora tenhamos a impressão de que as memórias são um registro fidedigno do passado, elas são mais bem descritas como reconstituições de conexões entre neurônios que modificamos cada vez que as acessamos.
Não é preciso mais do que a leve sugestão, muitas vezes inconsciente, do policial simpático ou a simples vontade de encontrar um culpado para que a testemunha crie falsas memórias e jure de pés juntos que viu o que não aconteceu.
E essa não é a única assombração que a ciência trouxe para o direito. Ela também questiona com vigor a capacidade de seres humanos, incluindo juízes, de fazer julgamentos objetivos e consistentes. Não faltam experimentos a demonstrar que fatores que não deveriam ter nenhuma influência sobre uma sentença, como o nível de glicose no sangue do julgador, o horário em que ela é proferida e as condições climáticas verificadas naquele dia, afetam o julgamento.
Pior, a ciência hoje coloca em dúvida até a noção de livre-arbítrio, que pode ser considerada o dogma central do direito. Se as pessoas não são responsáveis pelo que fazem, como condená-las por um crime?
Não sou pessimista a ponto de achar que os avanços da ciência comprometem definitivamente o direito, mas é óbvio que muita coisa precisa mudar.
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