Ronaldo Lemos me informa que o PL das Fake News vai passar e muito provavelmente entregará a uma comissão ligada ao Executivo a incumbência de aplicar a lei. É um grande erro. A história ensina que, se a há um Poder que jamais poderia ter o poder de decidir o que pode e o que não pode ser dito, é o Executivo.
Não vou negar que fake news sejam pelo menos parcialmente responsáveis por graves prejuízos sociais.
A lista de danos começa com o enfraquecimento de instituições democráticas e avança para áreas como saúde (hesitação vacinal) e segurança pública (disseminação de subculturas que glorificam a violência).
Devemos escrever nossas leis pensando não só nas próximas batalhas, mas também na permanência.
Se há um princípio do pacote liberal que perdeu prestígio nos últimos anos, foi a liberdade de expressão.
Especialmente as novas gerações parecem dar primazia à ideia de justiça. Entre a reparação às grandes injustiças coletivas da história e o direito de um indivíduo de dizer o que deseja, o que amiúde é apenas uma coleção de bobagens, nem haveria muito o que pensar.
Um dos problemas com esse raciocínio é que ele ignora o valor instrumental da liberdade de expressão. Com efeito, o direito de divulgar ideias, mesmo as mais ultrajantes, não é só um princípio abstrato mas também uma via privilegiada para que a sociedade encontre o balanço entre estabilidade e mudança.
Hoje subscrevemos o consenso de que preconceitos (raciais, sexuais...) não devem ter lugar. Estou de pleno acordo com ele. Mas não muito tempo atrás o consenso social, com apoio da ciência de então, dizia que havia uma hierarquia entre as raças, com os brancos no topo, e que a homossexualidade era uma aberração.
Essas ideias só deixaram de ser consensuais porque em algum momento vozes se levantaram para contestá-las. A liberdade de expressão facilita as contestações. Não é algo de que possamos abrir mão.
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