Pela forma como a votação está se desenhando, creio que o Supremo Tribunal Federal vai descriminalizar a posse de pequenas quantidades de maconha, mas não de outras drogas. Quatro ministros já se manifestaram pela despenalização. Destes, só o relator, Gilmar Mendes, votou para que a medida se aplique a todas as drogas; os outros três, Fachin, Barroso e Moraes, preferiram limitá-la à Cannabis.
Como política pública, o gradualismo se justifica. Antes da legalização, a descriminalização; antes de liberar a heroína, permite-se a maconha. É um jogo sutil em que se buscam equilibrar valores por vezes contraditórios, como autonomia, saúde pública, equidade e efeitos sobre a criminalidade. Não é insensato apostar na capacidade de aprendizado das pessoas. Com o tabaco, funcionou. A prevalência de fumantes caiu acentuadamente nas últimas décadas sem recurso à proibição.
O problema é que os ministros do Supremo não foram chamados a opinar na qualidade de consultores de políticas públicas e sim na de juízes de uma corte constitucional. E aí eu tenho dificuldades para vislumbrar um raciocínio jurídico consistente para sustentar que o artigo 28 da Lei Antidrogas, que estabelece penas para a posse de entorpecentes para uso próprio, seja inconstitucional em relação à maconha, mas constitucional em relação a outras substâncias.
É claro que os ministros sempre poderão alegar que estão apenas exercendo a autocontenção, já que o caso concreto que julgam é um envolvendo Cannabis e não outro estupefaciente. Mas, se a corte decidiu aplicar-lhe o instituto da repercussão geral, é justamente porque entende que há um debate socialmente relevante que deve, portanto, ser travado de forma ampliada e não restrita.
Quando o assunto é estabelecer o núcleo de direitos individuais irredutível, sobre o qual nem o legislador pode interferir, como é o caso aqui, não creio que o gradualismo seja ontologicamente possível.
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