Henrique Gomes

Físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando em filosofia na Universidade Cambridge.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Henrique Gomes

Os computadores quânticos estão chegando?

Artigo vazado para uma página dos servidores da Nasa causou alvoroço no Vale do Silício

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em meados de setembro, um artigo vazado para uma página dos servidores da Nasa causou alvoroço no Vale do Silício e em alguns cantos do mercado global de tecnologias.

O artigo, escrito por um time de pesquisa da Google, anunciava “a supremacia quântica”. Seria o arauto de uma nova era na computação?

O termo “supremacia quântica” foi cunhado pelo físico John Preskill, do Instituto de Tecnologia da California (CalTech). Segundo ele, a supremacia seria atingida quando algum cálculo que levaria milhões de anos para ser processado por um supercomputador convencional fosse concluído em questão de minutos por um computador quântico. E era isso que o artigo reportava.

Mas o cálculo em questão é basicamente inútil para qualquer aplicação prática: foi desenhado com o único propósito de ser intragável para computadores convencionais e tragável para os quânticos; o resultado é um bando de números com pouca estrutura. E esta não é a primeira aventura da humanidade por territórios quânticos.

Muitas tecnologias que já transformaram a sociedade emergiram da revolução quântica do começo do século 20: imagens médicas, lasers, supercondutores e os próprios transistores que possibilitam o chip do computador usual e do seu celular.

Então por que tanto frisson com o artigo? Porque nenhuma dessas tecnologias antigas explora todo o potencial do estranho mundo quântico, e o novo tipo de computador almeja manipular diretamente dois tipos de fenômenos que só ocorrem lá.

Um é a superposição quântica: graças a este fenômeno, uma mesma partícula consegue simultaneamente ocupar diferentes posições até que seja observada. Outro é o emaranhamento quântico: descreve como certos atributos de duas partículas permanecem conectados mesmo se as partículas forem separadas por grandes distâncias.

Estes são os ingredientes mágicos que permitem que o computador quântico explore simultaneamente vários processos alternativos, possivelmente ganhando enorme vantagem sobre os computadores usuais.

Algumas áreas seriam mais diretamente beneficiadas por um tratamento quântico: o desenvolvimento de novos materiais e de novas drogas, a previsão do tempo e da Bolsa de Valores, a criptografia —a criação de canais de comunicação completamente seguros—, entre outros.

Os efeitos secundários dos avanços nestas áreas são imprevisíveis em detalhe, mas provavelmente seriam tão radicais quanto aqueles causados pela introdução do computador pessoal.

Daí o frisson. De 2012 até o começo de 2019, de acordo com uma análise da revista Nature, investidores privados já haviam financiado pelo menos 52 companhias de tecnologia quântica. O valor de muitos destes investimentos permanece secreto, mas a análise da Nature revela que em 2017 e 2018 essas companhias receberam deles pelo menos 450 milhões de dólares.

E essa análise não leva em conta alguns dos maiores investimentos internos, feitos por companhias como IBM, Google, Alibaba, Hewlett Packard (HP), Tencent, Baidu e Huawei. É mais difícil ainda quantificar os investimentos em uma das áreas mais promissoras da nova tecnologia: a comunicação criptografada (os líderes desta área são companhias chinesas, que recebem fundos indiretamente do governo e não divulgam quantias).

Agora que entendemos a razão do alvoroço, é hora de sairmos correndo pelas ruas investindo em startups de tecnologias quânticas ou preparando bunkers para um futuro dominado pela Skynet? Não, ainda há muito motivo para ceticismo.

Assim como a unidade de informação manipulada por computadores atuais é o bit, a do computador quântico é medida em “bits quânticos”, ou qubits. O computador do Google que atingiu a supremacia tem 53 qubits. Mas para calcular alguma coisa útil, digamos, as propriedades químicas de uma nova substância, seriam requeridos alguns milhões de qubits. E a dificuldade de progredir de um número nas dezenas para um nos milhares (quem dirá milhões!), é enorme.

O obstáculo é a notória fragilidade de sistemas quânticos. Para manter seu comportamento quântico —superposição e emaranhamento—, os qubits têm que ser cuidadosamente isolados do ambiente externo e ainda assim manter a cooperação distante um com o outro.

Para manter controle dos qubits, a temperatura é muitas vezes abaixada até uma fração de grau acima do zero absoluto, e o vácuo ambiente deve evitar até o contato com moléculas individuais vagando por ali. Cada qubit é tratado como rei. E não é claro, nem para os experts, se teremos recursos suficientes para tantos reizinhos, e se estes monarcas conseguirão dividir um só reino e colaborar entre si.

No artigo de 2012 em que introduziu o termo “supremacia quântica”, John Preskill pergunta: “O controle de sistemas quânticos de larga escala é meramente muito, muito difícil ou é ridiculamente difícil? No primeiro caso, talvez consigamos construir um computador quântico depois de algumas décadas de trabalho duro. No segundo caso, talvez sejamos malsucedidos por séculos, ou talvez para sempre.”

Uma análise da National Academy of Sciences contribui para o ceticismo: “Não é ainda claro se, ou quando (...) estas tecnologias atingirão as escalas necessárias” para oferecer soluções comercialmente interessantes.

​Sabine Hossenfelder, do Instituto para Estudos Avançados de Frankfurt, sugere um paralelo histórico. Em 1946, a primeira página do New York Times anunciava uma “incrível máquina” que “revolucionaria a engenharia moderna”: com seus 18 mil tubos a vácuo, o “computador” ENIAC parecia abrir as portas para o futuro.

Mas como sabemos, algumas décadas se passaram até que computadores redesenhassem a nossa sociedade. O que finalmente tornou isso possível, segundo Hossenfelder, foi a introdução de transistores; isto é, uma tecnologia quântica que não existia na época do ENIAC e que deu origem a chips e microprocessadores.

Hoje, os computadores quânticos do Google e outras empresas ainda estão mais para ENIAC do que para o primeiro Macintosh. Isso não quer dizer que uma futura revolução científica —como a revolução quântica do século 20— não mude as regras do jogo. Mas, se vier, é ela que será o arauto.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.