Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ian Bremmer
Descrição de chapéu Coreia do Norte

Os ganhadores e os perdedores em um possível acordo com a Coreia do Norte

Pequim pode ser a maior vencedora das negociações entre Kim Jong-un e Donald Trump

E se Donald Trump e Kim Jong-un realmente fecharem um acordo? Não faltam motivos para se encarar essa possibilidade com ceticismo. Por que Kim abriria mão do programa de armas nucleares que ele trabalhou tanto para ampliar? Por que os EUA aceitariam retirar seus 28.500 soldados da Coreia do Sul? Como poderia Kim construir uma economia norte-coreana sustentável que o libertasse da necessidade de fazer chantagem para conseguir ajuda econômica? Há ainda outras perguntas sem resposta.

Mas é possível que um encontro entre Trump e Kim renda um acordo que represente um avanço importante. Talvez isso comece com a libertação de três cidadãos americanos detidos na Coreia do Norte. Com a promessa de levar adiante a discussão da “desnuclearização”, talvez Kim concorde com uma suspensão permanente dos testes de mísseis balísticos intercontinentais, eliminando o risco de a Coreia do Norte poder lançar um ataque nuclear contra o território continental dos EUA.

A Coreia do Norte então receberá inspetores para examinar seus ativos nucleares. Trump aprovará um acordo de paz entre Kim e o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e prometerá que os EUA não invadirão a Coreia do Norte, desde que ela continue a respeitar a suspensão dos testes nucleares e coopere com os inspetores. Sejam quais forem os detalhes, haverá margem de manobra suficiente para permitir concessões que viabilizem um pacto.

A Coreia do Norte se beneficiará de modo evidente. Mesmo sem possuir um programa nuclear ativo, a RDPC (sigla do nome oficial do país) conta com poder de fogo convencional suficiente para conservar sua influência em negociações futuras. Kim já melhorou sua imagem e a de seu país junto à população sul-coreana, especialmente os jovens, que sentem menos parentesco natural que seus pais e avós com seus vizinhos ao norte. Um pacto com Trump intensificará esse efeito. A prova de fogo maior virá quando Kim começar a experimentar com uma abertura da economia norte-coreana, logo, do país, a forasteiros.

O líder sul-coreano Moon Jae-in será um ganhador evidente pelo tempo que o pacto durar. Moon sabe que o ex-presidente sul-coreano Kim Dae-jung recebeu o Nobel da Paz por seus esforços por um acordo de paz coreano em 2000. É pouco provável que o comitê do Nobel algum dia ofereça algo a Trump, e Moon, apesar de declarar que Trump o merece mais que ele, é uma escolha óbvia para um prêmio futuro. A própria Coreia do Sul será ganhadora enquanto um ataque preventivo dos EUA contra a Coreia do Norte deixar de ser cogitado.

Donald Trump é um ganhador evidente. Cada passo que distancia os EUA de um conflito com a Coreia do Norte lhe permite argumentar que sua abordagem de alta pressão é vencedora e que ele tem condições melhores para promover uma paz duradoura do que Barack Obama mostrou possuir. Conseguir a libertação de americanos detidos pela RDPC já é uma vitória por si só. Os Estados Unidos saem ganhando se Trump puder acordar uma suspensão dos testes de mísseis capazes de atingir seu território. No longo prazo, porém, os EUA descobrirá que terá menos influência sobre o futuro da região.

É por isso que a China será a maior vencedora de todas. Os líderes chineses temem há muito tempo que uma emergência de segurança ligada à Coreia do Norte possa transbordar a fronteira e se fazer sentir no nordeste da China. Um acordo de paz reduzirá esse perigo. E, com a diminuição da influência americana que acompanhará uma retirada parcial de suas tropas, a China avançará mais um passo para tornar-se a força diplomática e econômica dominante no leste da Ásia.

Quem perderá mais com um acordo entre Trump e Kim será o Japão, que permanece dentro do alcance de armas norte-coreanas que não precisam ser testadas. Uma presença americana menor na região, a expansão ainda maior da influência chinesa e uma explosão de orgulho nacional na Coreia, tudo isso criará problemas para Tóquio.

É claro que ainda há obstáculos evidentes a um acordo. Trump vai recuar quando Kim deixar claro que congelará seu programa de armas nucleares mas não abrirá mão dele? Kim aceitará qualquer coisa menos que uma promessa explícita dos EUA de nunca invadir seu país? Kim reagirá mal, como fez seu governo no início de maio, se Trump continuar a insistir que forçou Kim a vir à mesa de negociações? Ou, quem sabe, Kim esteja simplesmente ganhando tempo, abrindo um processo de negociação que ele espera que lhe traga alívio econômico imediato, ao mesmo tempo em que estende as negociações até o momento em que Trump não seja mais o presidente?

Por enquanto, tudo indica que os dois líderes vão se reunir. Cada um deles tem interesse em alcançar um acordo que faça dele um vencedor. Devemos suspender nosso ceticismo por enquanto, até vermos que espécie de acordo eles conseguirão selar.

Tradução de Clara Allain

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.