Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Mundo com Biden na Presidência dos EUA não será tão diferente de antes

É pouco provável que democrata introduza grandes transformações, por uma série de razões

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Joe Biden será o próximo presidente dos EUA, para consternação de milhões de americanos e alegria de mais milhões. Tanto seus partidários quanto seus críticos esperam que a administração Biden introduza grandes transformações para o mundo. É pouco provável que isso ocorra, por uma série de razões.

Comecemos pelos EUA em casa. As eleições de novembro comprovaram mais uma vez que este é um país mais profundamente dividido que qualquer outra democracia industrial avançada —um problema especialmente sério para um país que supostamente lidera a ordem mundial no exterior.

Esquerda x direita, establishment x antiestablishment, pessoas que se preocupam com a pandemia x céticos da pandemia etc. —essas divisões produziram um público e uma classe política de americanos menos interessados em agir como polícia do mundo, com o aventureirismo militar que isso requer.

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, durante discurso na base de sua equipe de transição em Wilmington, no estado de Delaware - Leah Millis - 4.dez.20/Reuters

Essas mesmas divisões afetaram o interesse do público americano pelo livre comércio, na medida em que setores dentro dos EUA que enfrentam dificuldades passaram a se concentrar mais em conseguir uma fatia maior do bolo econômico global para eles próprios, em vez de fazer o bolo crescer para todos.

O resultado é um público americano que já não está mais interessado no tipo de liderança global que os EUA ofereceram na segunda metade do século 20 na frente econômica ou de segurança.

Biden será uma figura menos divisiva do que o presidente que em breve será seu predecessor, mas estamos falando de transformações estruturais que nenhum presidente americano poderia realisticamente enfrentar em um único mandato presidencial (ou mesmo em dois).

Porém, mesmo que o público e o establishment político americanos estivessem ansiosos por ver os EUA retomarem seu papel de liderança global, o próprio mundo já mudou tão profundamente desde o final do século 20 que isso não faria tanta diferença.

A União Europeia continua fixada sobre suas próprias divisões internas, como sempre: deixando de lado as negociações do brexit, que ainda continuam, os problemas mais recentes giram em torno de a Hungria e a Polônia tentarem afundar o processo do Fundo de Recuperação da UE, em função de objeções políticas aos dispositivos sobre o Estado de Direito nele contidos.

A Rússia continua a ser um país em declínio que enxerga mais valor em complicar as coisas para outras potências geopolíticas que em trabalhar com elas. E há a China: uma potência global que está se fortalecendo, mas discorda fundamentalmente da ordem democrática liberal que moldou o século 20.

Mas a China não está em posição de erguer uma ordem mundial própria (não por enquanto, pelo menos): seu capitalismo de Estado e seu modelo político autoritário vêm se mostrando muito menos atraentes ao resto do mundo do que foi a democracia de livre mercado no século 20.

O resultado disso tudo é uma ordem mundial liberal em declínio que continua a ter dificuldade em lidar com a China ascendente, dificuldade essa que a fratura ainda mais.

Finalmente, há as instituições multilaterais que fazem nossa ordem global funcionar melhor junta (pense na Otan, na OMS e no Conselho de Segurança da ONU). Durante seus quatro anos na Presidência, Trump identificou corretamente as falhas dessas instituições e as explorou para suas finalidades políticas próprias em casa, mas pouco fez para realmente sanar qualquer uma delas.

No cerne do problema está o fato de que essas instituições refletem melhor a dinâmica de poder dos anos 1950 que a de 2020; que, quando acrescentamos à equação o fato de que muitos dos desafios de longo prazo mais urgentes de hoje —a ascensão da China, os ciberataques, o uso de drones em guerras, problemas de privacidade de dados, para citar apenas alguns— nem sequer existiam quando essas instituições foram criadas originalmente, começamos a entender a amplitude do problema.

Biden vai ajudar, com certeza, ao manifestar apoio e financiar esforços multilaterais para combater esses desafios, mas essas instituições precisam de reformas fundamentais e amplas, uma tarefa que já seria difícil sob circunstâncias normais, o que dirá no meio de uma pandemia global. É um desafio para ser encarado por uma geração de líderes políticos, não apenas pela próxima administração americana.

A chegada de Biden à Casa Branca tem importância. Deixando de lado a muito necessária mudança no tom do discurso diplomático, a urgência genuína para combater a mudança climática será bem recebida.

E, uma vez no poder, o democrata e sua equipe poderão trabalhar com aliados de visão semelhante para colocar o mundo no caminho do tipo de reformas institucionais e cooperação urgentemente necessários.

Mas tudo isso exigirá esforço, dinheiro, concessões e criatividade. Também levará paciência e tempo.

Tradução de Clara Allain

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