Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Economia global não vai voltar ao que era até todos os países controlarem a pandemia

Países em desenvolvimento não dispõem dos mesmos recursos para lançar estímulos

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Passado um ano do início da pandemia, os efeitos da Covid-19 sobre a saúde falam por si sós: mais de 105 milhões de pessoas em todo o mundo sabidamente infectadas e mais de 2 milhões de mortos.

A boa notícia é que vacinas eficazes estão a caminho. A má notícia é que para os próximos 12 meses, pelo menos, o que vemos pela frente é uma recuperação inconstante, que vai começar, parar e recomeçar outra vez, com todas as complicações econômicas, sociais e políticas que isso encerra.

É claro que alguns países —e determinados segmentos da sociedade no interior desses países— estão mais bem equipados para lidar com seja o que for que vier pela frente. E é precisamente esse o problema agora, quando iniciamos o lento caminho rumo à nova normalidade. Recuperações em forma de K são preocupantes para mercados, mas recuperações em K para países têm o potencial de ser muito piores. Veja o porquê.

Para começo de conversa, o processo de recuperação desigual vai ampliar as disparidades dentro dos países. Nas economias desenvolvidas, o vírus afeta desproporcionalmente os ganhos dos trabalhadores de baixa renda e do setor de serviços; em muitos casos isso também significa que são as mulheres e pessoas não brancas que arcam com o impacto maior da crise econômica.

Países que possuem os meios financeiros para ajudar seus cidadãos estão em posição privilegiada, mas mesmo nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, várias rodadas de estímulo vêm sendo atrasadas por jogos políticos. E está longe de certo que seja o que for que o presidente Joe Biden e os democratas acabem fazendo aprovar no Congresso será o bastante para ajudar os mais vulneráveis do país por mais do que os próximos meses.

Na Europa, enquanto o pacote de socorro na pandemia foi montado em pouco tempo, o dinheiro não será distribuído para valer até o segundo semestre deste ano. Tanto a Europa quanto os EUA vêm tendo problemas nos últimos anos com populismo, alimentado tanto pela frustração com a política do establishment quando pelo receio provocado pelo futuro cada vez mais incerto. Uma assistência insuficiente àqueles que mais necessitam dela neste momento tem o potencial de prolongar esses problemas por muito mais tempo.

Uma história semelhante está acontecendo nas economias em desenvolvimento, com os setores mais economicamente vulneráveis sofrendo a maior parte do impacto econômico —uma realidade que vai intensificar tensões de classe, étnicas e religiosas preexistentes em muitos países.

Um fato que agrava esses desafios é que as economias em desenvolvimento não dispõem dos mesmos recursos para lançar grandes esforços de estímulo, nem contam com redes fortes de segurança social, problema que afeta especialmente países da América Latina, Oriente Médio e outras regiões.

Os países podem sentir a tentação de contrair empréstimos para sobreviver aos desafios imediatos colocados pela Covid, mas isso, por sua vez, pode colocá-los sob pressão se esses recursos não forem administrados com prudência ou se a economia global demorar mais que o previsto para se recuperar. Algo que é inteiramente possível, dadas as novas mutações do vírus que vêm se propagando.

A desigualdade da recuperação entre países acarreta problemas próprios. Países que não possuem capacidade própria de produção de vacinas —nem os recursos para comprar as vacinas diretamente dos fornecedores— vão levar mais tempo para receber vacinas.

A iniciativa Covax de distribuição ajuda, mas só vai ganhar força depois de os países ricos terem vacinado parcelas importantes de suas populações. A demora em vacinar implica em mais restrições às viagens para os países mais pobres, dificultando seu esforço para sair do buraco econômico em que se encontram, especialmente no caso de países que dependem de remessas.

Uma incapacidade de avançar muito na vacinação de sua população também significa que muitos desses países serão menos atraentes como destinos turísticos —um problema particular para países como os do sudeste asiático, cuja economia e população dependem do turismo.

Alguns podem querer minimizar essas preocupações, enxergando-as como problemas que afetam mais países específicos do que o mundo inteiro. Quem defende esse argumento faria bem em lembrar que, em um mundo globalizado com o nosso, as dificuldades sofridas por países em desenvolvimento têm efeitos secundários reais para outros países. Nossa economia global não vai voltar ao que era antes enquanto todos os países não conseguirem controlar a pandemia.

Por pior que 2020 tenha sido, em termos de o mundo combater a pandemia, a resposta econômica foi quase universalmente robusta. Mas à medida que a recuperação ganhar fôlego e a crise sanitária se tornar menos aguda, as respostas econômicas e políticas ficarão mais desiguais. Isso vai complicar não apenas nossa política doméstica, mas nossa geopolítica também. Os formuladores de políticas públicas fariam bem em começar a levar isso em conta.

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time. Tradução de Clara Allain

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