Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Crises geradas pela Guerra da Ucrânia tornaram a Europa mais forte

Dois anos difíceis para empresas e cidadãos europeus vão por fim fortalecer a segurança e acelerar energia verde

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A União Europeia enfrentou uma série de emergências nos últimos anos. O derretimento financeiro global de 2008 que começou nos Estados Unidos desencadeou uma crise de dívida soberana europeia que colocou os membros mais ricos da UE contra os mais pobres. A instabilidade no Oriente Médio provocou uma crise de refugiados que alimentou o populismo anti-imigrantista em muitos países do bloco e exacerbou divisões entre Bruxelas e nações do Leste Europeu, como Hungria e Polônia.

Então houve o brexit. A eleição de Donald Trump para a Presidência americana gerou incerteza profunda na Europa quanto à confiabilidade de Washington como parceiro de segurança do continente. Em seguida, a pandemia causou prejuízo econômico em todo o continente, e agora a invasão russa da Ucrânia gerou outra e ainda maior onda de refugiados, uma crise energética e o medo de um novo confronto entre Oriente e Ocidente.

A eleição de novos governos liderados por partidos da ultradireita na Suécia e depois na Itália, a terceira maior economia da UE, voltou a suscitar questões sobre a força e resiliência da UE. No entanto, o bloco está mais forte que nunca.

Líderes europeus se preparam para 'foto de família' em cúpula em Praga - Joe Klamar - 6.out.22/AFP

Como isso é possível? Jean Monnet, um dos primeiros visionários e arquitetos da UE, previu certa vez que "a Europa será construída na crise e será fruto das soluções". Ele tinha razão. Uma crise pode (às vezes) criar oportunidades para mudanças positivas que não teriam sido possíveis se não houvesse a necessidade de uma resposta coletiva. De maneiras importantes, a Covid-19 e a Guerra da Ucrânia fizeram exatamente isso.

Primeiro há a resposta à pandemia. As crises financeira e de dívida soberana, a dos migrantes e o brexit —tudo isso ajudou a persuadir os líderes da UE que a desigualdade econômica gera ressentimento e que a insatisfação resultante alimenta o populismo. Em 2020, com o apoio de todos os 27 países-membros da UE, os países europeus acordaram um pacote de recuperação de múltiplos bilhões de euros que incluiu financiamento para a resposta à Covid e o reforço das redes de proteção de trabalhadores e empresas.

Esses pacotes também incluem estímulos para investimentos em tecnologias verdes e regulamentos que requerem que países de fora da UE que querem ter relações comerciais com o bloco se alinhem em termos de padrões de tecnologia ou enfrentem impostos mais altos —fortalecendo a influência europeia sobre a regulação global de novas tecnologias e proteção ambiental.

Houve também um orçamento para a UE de € 1,1 bilhão aprovado para 2021-2027 que confere meios a Bruxelas para distribuir valores substanciais de que seus membros necessitavam seriamente.

O dinheiro ainda levará anos para ser inteiramente distribuído, mas a resposta emergencial unânime mostrou o valor do sacrifício compartilhado num momento em que o populismo que prioriza cada país individualmente havia posto o futuro da UE em dúvida.

A Covid também alterou o equilíbrio do poder na batalha da UE com seus membros eurocéticos. O líder húngaro Viktor Orbán, político habilidoso que construiu sua reputação em cima do confronto com a UE, conquistou em abril uma vitória por maioria expressiva. Pode parecer que ela o ajudaria a opor resistência às exigências da UE de que ele cumpra as regras do bloco sobre democracia e Estado de Direito, que ele vem desrespeitando há alguns anos.

Mas a Comissão Europeia encontrou uma maneira de usar os fundos de alívio da Covid para colocar Orbán na linha. No mês passado ela recomendou formalmente que os € 7,5 bilhões destinados à Hungria sejam retidos até que Budapeste ofereça uma lista de reformas exigidas.

A Hungria já enfrenta preços altos, moeda fraca e uma crise energética e seu déficit orçamentário agora está muito mais alto do que o governo havia previsto. Somem-se a isso € 14,9 bilhões em doações e empréstimos do Fundo de Recuperação da Covid, muito necessários, e Bruxelas agora conta com a atenção plena de Orbán.

A mesma dinâmica política está presente na Itália. Georgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália e próxima primeira-ministra de seu país, tem travado uma "guerra cultural" contra as proteções garantidas pela UE aos direitos de minorias e migrantes. Mas a vulnerabilidade econômica do país fará com que promessas de respeito pela UE e o apoio sólido de seu governo próximo à Otan e à Ucrânia não sejam o bastante para lhe garantir o apoio incondicional de Bruxelas.

Tendo a segunda mais alta razão de dívida para PIB na União Europeia, a Itália precisa que a Comissão Europeia lhe libere € 200 bilhões do Fundo de Recuperação da Covid e precisa que o Banco Central Europeu continue a comprar sua dívida.

Como na Hungria, o crescimento econômico fraco, inflação que teima em permanecer alta e escassez energética que se aproxima deixam o governo italiano necessitado da boa vontade da UE, e foi a pandemia que deu à UE a influência econômica e política necessária para exigir reformas fiscais e outras.

O ataque da Rússia à Ucrânia e as ameaças de Vladimir Putin contra a Otan e governos europeus mobilizaram a UE de maneira igualmente forte. Criaram uma unidade urgente nas relações de Bruxelas com Washington que não estava presente havia décadas. Fortaleceram a Otan pelo fato de atrair membros novos e aptos (Finlândia e Suécia), persuadir governos europeus relutantes (especialmente a Alemanha) a gastar muito mais com defesa e trazer a Polônia mais perto do consenso com a UE sobre muitas questões, ao evidenciar o valor que cada lado possui para o outro.

Mais importante que tudo, talvez, é que a maior vulnerabilidade de segurança da Europa é há anos sua dependência energética da Rússia. Putin agora provou para os líderes europeus que a Rússia não pode mais nem sequer ser vista como parceira comercial confiável, e a UE empreendeu o desafio tremendamente complexo de pôr fim a essa dependência.

A curto prazo, isso significará dois anos excepcionalmente difíceis para empresas e cidadãos europeus. A longo prazo, porém, vai fortalecer a segurança europeia e acelerar seus investimentos em tecnologias verdes. Nada disso foi possível antes do 24 de fevereiro. Tudo é resultado direto da guerra de Putin.

A Europa tem desafios históricos pela frente. Reforçar suas defesas, redesenhar sua arquitetura energética, controlar a inflação alta, fortalecer o crescimento fraco, continuar a apoiar a Ucrânia e lidar com um vizinho no leste cada vez mais errático e dotado de armas nucleares —tudo isso vai testar a força recém-descoberta da Europa por anos.

Mas a capacidade do bloco não apenas de superar crises, mas de usá-las para fortalecer suas instituições, é o melhor exemplo de cooperação internacional bem-sucedida do ainda jovem século 21.

Tradução de Clara Allain

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