Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Combates podem continuar por meses, mas Putin já perdeu esta guerra

Decisão de invadir será lembrada como um dos maiores erros de qualquer líder de uma grande potência em décadas

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A Rússia continua a avançar em campo na Ucrânia, especialmente na região do Donbass, onde os combates da guerra estão mais intensos.

O presidente Vladimir Putin pode e vai provocar mais sofrimento, e, embora suas Forças Armadas não sejam fortes o suficiente para derrubar o governo de Zelenski e capturar a Ucrânia inteira, como ele esperava inicialmente, ele confia que a Ucrânia não vai conseguir expulsar suas tropas do território que elas já controlam. Ele também sabe que a inflação global de alimentos e combustíveis criada por sua guerra vai testar até o limite a determinação ocidental de continuar apoiando a Ucrânia nos níveis atuais.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa no Parlamento em São Petersburgo
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa no Parlamento em São Petersburgo - Alexandr Demianchuk - 27.abr.22/Sputnik/AFP

De um ponto de vista de mais longo prazo, porém, a Rússia já perdeu a guerra, e a decisão tomada por Putin de invadir será lembrada como um dos maiores e mais estúpidos erros de qualquer líder de uma grande potência em décadas. O que Putin esperava que sua invasão realizasse?

Suas metas declaradas são a "desnazificação e desmilitarização" da Ucrânia. Por desnazificação, ele quis dizer o afastamento de qualquer governo ucraniano que preferisse manter laços mais fortes com a Europa que com a Rússia. Quando falou em desmilitarização, quis dizer o desejo de destituir a Ucrânia de qualquer capacidade de contestar a hegemonia russa no futuro, quem quer que esteja no poder em Kiev.

Sua ambição se estendia muito além da Ucrânia. Putin também queria mostrar aos EUA e à Europa que a Rússia precisa ser tratada como uma grande potência, capaz de definir sua própria esfera de influência. Queria expor as potências ocidentais como fracas e divididas. Esperava também reforçar seu prestígio junto ao povo russo, como acontecera com a anexação da Crimeia em 2014. O que ele conseguiu?

Putin expôs a Rússia como uma potência delirante e perigosa que quer redesenhar a arquitetura de segurança da Europa e retraçar as fronteiras de uma democracia pela força bruta e com fluxo constante de mentiras sobre as motivações do país vizinho. Demonstrou que não faz ideia de pelo quê os ucranianos estão dispostos a lutar ou como o Ocidente vai reagir a uma agressão deslavada e de grande escala.

Ele provocou danos geracionais a suas próprias Forças Armadas. Mais russos morreram em ação em cem dias na Ucrânia do que os soldados soviéticos mortos em uma década no Afeganistão. Grande número de tanques e outros equipamentos pesados foram perdidos. Os suprimentos de artilharia encolheram.

Os controles de exportação americanos sobre a venda de componentes críticos à Rússia vai prejudicar ainda mais os esforços para reestocar seu arsenal. Putin também proporcionou ao resto do mundo uma visão clara e desobstruída das capacidades, limitações e vulnerabilidades russas. Além disso, prejudicou substancialmente a moral de uma força de combate mal equipada para a missão que seu líder projetou.

Putin deu à Europa e aos Estados Unidos um senso de propósito comum que não existia desde que a Guerra Fria terminou. Ele lembrou a muitos europeus por que a ajuda americana é tão valiosa e mostrou aos americanos que os europeus se dispõem a fazer escolhas difíceis e sacrifícios dolorosos para defender os valores ocidentais. Ele ampliou a Otan, não obstante as objeções atuais do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e estendeu a fronteira entre a Rússia e a Otan, ao convencer a Finlândia e a Suécia que estarão mais seguras dentro da aliança que fora dela. Dois terços dos eleitores da eurocética Dinamarca agora votaram para estreitar os laços de defesa com a União Europeia.

Putin onerou sua economia com sanções dos EUA e da Europa que provavelmente não serão suspensas enquanto ele permanecer no poder. Criou uma escassez de longo prazo de peças de reposição críticas para o setor manufatureiro russo. Deixou-se vulnerável a críticas de russos que odeiam o isolamento internacional que sabem que está por vir, mas também daqueles que consideram que ele administrou mal uma guerra que a Rússia deveria ter vencido sem dificuldade.

Putin persuadiu a União Europeia a efetuar cortes drásticos em suas importações de energia russa, fonte vital de receita do governo russo. Ele provou aos líderes europeus que eles precisam gastar muito mais dinheiro com a defesa da Europa. Tudo isso era virtualmente impensável antes de a Rússia começar a acumular tropas nas fronteiras da Ucrânia. Putin também deixou seu país profundamente dependente da boa vontade da China (que ainda é limitada). O processo de desviar grandes volumes de energia russa da Europa à Ásia levará muito tempo e dinheiro –e, com menos compradores interessados, a Rússia será obrigada a vender suas commodities a preços descontados.

Em contrapartida, ele pode conquistar o controle do Donbass e de uma parte maior do litoral do Mar Negro, para poder ligar esse território à Crimeia. Claro que a Rússia não está inteiramente isolada. Ainda há pessoas e governos em todas as regiões do mundo que enxergam os EUA como ameaça maior que a Rússia à paz e à prosperidade compartilhada do mundo. Muitos governos continuarão a adquirir commodities e armas russas, especialmente a preços necessariamente mais baixos.

Mas a pior parte desses danos autoinfligidos é irreversível, ao menos enquanto Putin seguir no poder. É por isso que, embora os combates possam continuar por meses ou até anos, Putin já perdeu essa guerra.

Tradução de Clara Allain 

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