A Rússia continua a avançar em campo na Ucrânia, especialmente na região do Donbass, onde os combates da guerra estão mais intensos.
O presidente Vladimir Putin pode e vai provocar mais sofrimento, e, embora suas Forças Armadas não sejam fortes o suficiente para derrubar o governo de Zelenski e capturar a Ucrânia inteira, como ele esperava inicialmente, ele confia que a Ucrânia não vai conseguir expulsar suas tropas do território que elas já controlam. Ele também sabe que a inflação global de alimentos e combustíveis criada por sua guerra vai testar até o limite a determinação ocidental de continuar apoiando a Ucrânia nos níveis atuais.
De um ponto de vista de mais longo prazo, porém, a Rússia já perdeu a guerra, e a decisão tomada por Putin de invadir será lembrada como um dos maiores e mais estúpidos erros de qualquer líder de uma grande potência em décadas. O que Putin esperava que sua invasão realizasse?
Suas metas declaradas são a "desnazificação e desmilitarização" da Ucrânia. Por desnazificação, ele quis dizer o afastamento de qualquer governo ucraniano que preferisse manter laços mais fortes com a Europa que com a Rússia. Quando falou em desmilitarização, quis dizer o desejo de destituir a Ucrânia de qualquer capacidade de contestar a hegemonia russa no futuro, quem quer que esteja no poder em Kiev.
Sua ambição se estendia muito além da Ucrânia. Putin também queria mostrar aos EUA e à Europa que a Rússia precisa ser tratada como uma grande potência, capaz de definir sua própria esfera de influência. Queria expor as potências ocidentais como fracas e divididas. Esperava também reforçar seu prestígio junto ao povo russo, como acontecera com a anexação da Crimeia em 2014. O que ele conseguiu?
Putin expôs a Rússia como uma potência delirante e perigosa que quer redesenhar a arquitetura de segurança da Europa e retraçar as fronteiras de uma democracia pela força bruta e com fluxo constante de mentiras sobre as motivações do país vizinho. Demonstrou que não faz ideia de pelo quê os ucranianos estão dispostos a lutar ou como o Ocidente vai reagir a uma agressão deslavada e de grande escala.
Ele provocou danos geracionais a suas próprias Forças Armadas. Mais russos morreram em ação em cem dias na Ucrânia do que os soldados soviéticos mortos em uma década no Afeganistão. Grande número de tanques e outros equipamentos pesados foram perdidos. Os suprimentos de artilharia encolheram.
Os controles de exportação americanos sobre a venda de componentes críticos à Rússia vai prejudicar ainda mais os esforços para reestocar seu arsenal. Putin também proporcionou ao resto do mundo uma visão clara e desobstruída das capacidades, limitações e vulnerabilidades russas. Além disso, prejudicou substancialmente a moral de uma força de combate mal equipada para a missão que seu líder projetou.
Putin deu à Europa e aos Estados Unidos um senso de propósito comum que não existia desde que a Guerra Fria terminou. Ele lembrou a muitos europeus por que a ajuda americana é tão valiosa e mostrou aos americanos que os europeus se dispõem a fazer escolhas difíceis e sacrifícios dolorosos para defender os valores ocidentais. Ele ampliou a Otan, não obstante as objeções atuais do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e estendeu a fronteira entre a Rússia e a Otan, ao convencer a Finlândia e a Suécia que estarão mais seguras dentro da aliança que fora dela. Dois terços dos eleitores da eurocética Dinamarca agora votaram para estreitar os laços de defesa com a União Europeia.
Putin onerou sua economia com sanções dos EUA e da Europa que provavelmente não serão suspensas enquanto ele permanecer no poder. Criou uma escassez de longo prazo de peças de reposição críticas para o setor manufatureiro russo. Deixou-se vulnerável a críticas de russos que odeiam o isolamento internacional que sabem que está por vir, mas também daqueles que consideram que ele administrou mal uma guerra que a Rússia deveria ter vencido sem dificuldade.
Putin persuadiu a União Europeia a efetuar cortes drásticos em suas importações de energia russa, fonte vital de receita do governo russo. Ele provou aos líderes europeus que eles precisam gastar muito mais dinheiro com a defesa da Europa. Tudo isso era virtualmente impensável antes de a Rússia começar a acumular tropas nas fronteiras da Ucrânia. Putin também deixou seu país profundamente dependente da boa vontade da China (que ainda é limitada). O processo de desviar grandes volumes de energia russa da Europa à Ásia levará muito tempo e dinheiro –e, com menos compradores interessados, a Rússia será obrigada a vender suas commodities a preços descontados.
Em contrapartida, ele pode conquistar o controle do Donbass e de uma parte maior do litoral do Mar Negro, para poder ligar esse território à Crimeia. Claro que a Rússia não está inteiramente isolada. Ainda há pessoas e governos em todas as regiões do mundo que enxergam os EUA como ameaça maior que a Rússia à paz e à prosperidade compartilhada do mundo. Muitos governos continuarão a adquirir commodities e armas russas, especialmente a preços necessariamente mais baixos.
Mas a pior parte desses danos autoinfligidos é irreversível, ao menos enquanto Putin seguir no poder. É por isso que, embora os combates possam continuar por meses ou até anos, Putin já perdeu essa guerra.
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