Maior ambição de diálogo entre Xi e Biden às margens da Apec é dialogar mais

Líderes se encontram na quarta (15) na Califórnia em meio a estremecimento de relações entre China e EUA

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Washington

Os dois principais líderes do mundo se encontram na próxima semana com a expectativa de conversar sobre tudo, mas não concordar em praticamente nada –exceto na necessidade de conversar mais.

Na quarta-feira (15), o presidente americano, Joe Biden, e o líder chinês, Xi Jinping, terão uma reunião às margens do encontro anual da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, na sigla em inglês), grupo que reúne 21 economias da região do Pacífico. A bilateral é o ponto alto da agenda, que começa oficialmente neste sábado (11) em San Francisco, na Califórnia, e vai até a próxima sexta (17).

Xi Jinping, líder da China, e Joe Biden, presidente dos EUA, em cúpula paralela na última cúpula do G20, em Bali, na Indonésia - Kevin Lamarque - 14.nov.23/Reuters

O estremecimento da relação entre as duas potências nos últimos tempos se somam a duas guerras, uma no Oriente Médio e outra no Leste Europeu, e à preocupação com duas importantes eleições, nos EUA e em Taiwan, no ano que vem. Não é à toa, assim, que as autoridades americanas reconhecem que as ambições quanto ao que pode ser alcançado são modestas.

Falando em condição de anonimato, oficiais do governo Biden dizem que uma dúvida é o quanto o comprometimento demonstrado pela China com a visita de Xi vem de um interesse genuíno em melhorar a relação ou se trata de uma medida tática de curto prazo. O asiático chega ao país na terça, e durante sua estadia deve participar ainda de um jantar com executivos com ingressos a US$ 2.000 (R$ 10 mil) por pessoa, segundo o New York Times.

Para Washington, o objetivo principal é abrir e fortalecer canais de comunicação com Pequim, sob o mantra de "gerenciar com responsabilidade a competição" entre os dois países, como a Casa Branca gosta de enfatizar, reduzindo os riscos de um conflito.

O pano de fundo é formado pela chamada "crise dos balões" de fevereiro deste ano; o aumento do controle de investimentos e exportações destinados à China impostos pelos americanos; e a aproximação de Washington com vizinhos do país asiático, como Coreia do Sul e Japão.

Em meio a tudo isso, houve ainda a crise desencadeada pela visita da então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, em agosto do ano passado —Washington é o maior aliado de Taipé no plano internacional, além de seu principal fornecedor de armas. O gesto foi visto pelos chineses, que temem a independência da ilha, como uma provocação, e levou-os a cortar os canais de comunicação militar com os americanos.

Desde então, Pequim também aumentou a frequência de realização de exercícios militares e a interceptação de veículos americanos no mar do sul e do leste da China. O Pentágono registrou mais de 180 incidentes do tipo nos últimos dois anos –número superior àquele documentado em toda a década anterior.

Washington, por sua vez, abateu um equipamento chinês que sobrevoava uma base militar em Montana em fevereiro. Segundo os EUA, tratava-se de um balão de espionagem; Pequim diz que o instrumento tinha objetivos de pesquisa.

"Tentamos várias vezes falar com eles antes de abatermos o balão, mas eles não queriam falar com a gente", disse Colin Kahl, então secretário assistente de política de defesa americana, durante conversa promovida pelo Instituto Brookings na última segunda. Ele deixou o cargo em julho. "Para citar 'Homem-Aranha', com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. A China precisa crescer e agir como um poder maduro", completou.

Segundo Kahl, os chineses acreditam que aumentar o contato com os americanos faz crescer também as chances de irrupção de crises, e por isso reclamam da pressão de Washington–membros do governo definem a postura chinesa como "relutante". "Até a China mudar essa perspectiva fundamental e aceitar atender o telefone, correremos o risco de um incidente sério", diz.

Nesta sexta, os americanos solicitaram oficialmente o restabelecimento das comunicações entre as duas Forças Armadas, aumentando a expectativa de que este seja o maior resultado a ser anunciado por Biden e Xi após o encontro na próxima semana. A última vez que os líderes se reuniram foi em novembro do ano passado, em Bali, às margens da cúpula do G20.

Ainda na agenda bilateral, outros temas prioritários para Washington são controle de armas e questões macroeconômicas, sobretudo relacionadas à dívida pública. No plano global, estão na sua lista conflitos em Israel e na Ucrânia.

Biden deve seguir pressionando os chineses a usarem sua relação com o Irã para evitar uma escalada do conflito no Oriente Médio, e alertá-los sobre seu envolvimento militar com a Rússia e com a Coreia do Norte.

Ao mesmo tempo, quer reforçar que não apoia a independência de Taiwan, mas sim a manutenção do status quo. Trata-se de um aceno a Pequim sobre os riscos de uma tentativa de interferência nas eleições na ilha no início do ano que vem.

O tema, aliás, é o que deve encontrar mais resistência por parte de Xi, segundo Oriana Skylar Mastro, professora da Universidade Stanford que pesquisa políticas de Defesa do gigante asiático. Pequim "não quer vir aqui e ter uma conversa com Biden sobre Taiwan", afirmou ela no evento no Brookings. "Para eles, trata-se de uma questão interna."

Patricia Kim, especialista em China do Brookings, diz que o encontro também será uma oportunidade para a população de ambos os países avaliarem a conduta dos dois dirigentes. Para ela, enquanto em Pequim o foco da opinião pública será se Xi será tratado com respeito durante a visita, nos EUA, a mídia provavelmente prestará atenção no quanto eventuais promessas e concessões feitas pelo presidente americano comprometem os interesses do país.

O desafio dos líderes é encontrar um equilíbrio em que a relação entre as potências não seja tão tensa a ponto de ser uma ameaça –tanto em termos de segurança quanto de economia– para o resto do mundo, mas nem tão amigável a ponto de deixar os demais países preocupados com a aproximação.

Apesar das divergências, especialistas afirmam que há temas de interesse em comum entre os dois países. Nessa agenda, estão a crise climática e a regulação da inteligência artificial, mesmo que nenhum avanço concreto seja esperado no curto prazo.

"EUA e China têm visões muito diferentes sobre como o mundo deve ser conectado. Conforme digitalizamos tudo e usamos inteligência artificial (IA), há uma competição de sistemas profunda, mas os dois países têm um interesse em comum quanto aos riscos –o biológico, o sistêmico para a infraestrutura, qualquer interação entre IA e um comando nuclear, e a perspectiva de uma IA além do controle humano. Nem EUA, nem China querem isso", diz Kahl.

De modo mais amplo, a economia digital deve ser um dos grandes temas do encontro da Apec, grupo que completa 30 anos em 2023. As outras prioridades são transição energética, segurança alimentar e mitigação de desastres naturais.

Um tema em que essas preocupações se conectam é o de cadeias de suprimento. Depois do caos provocado pela pandemia, tanto EUA quanto China têm encarado o assunto como estratégico não só em termos econômicos, como também de segurança nacional.

As economias que formam a Apec são fundamentais para os EUA, já que o grupo inclui 7 dos 10 maiores parceiros de Washington. Em conjunto, o grupo representa 40% da população mundial, e 50% de todo o comércio.

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