Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Voluntarismo de Trump ajudou Kim, e Bolsonaro arrisca o mesmo com Maduro

Tanto venezuelano quanto norte-coreano são ditadores desprezíveis, cada um à sua maneira

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Qual é a diferença entre o ditador Nicolás Maduro, da nossa vizinha Venezuela, e o déspota que comanda a Coreia do Norte, Kim Jong-un?

O presidente Bolsonaro cumprimenta o chanceler Ernesto Araújo em sua posse
O presidente Bolsonaro cumprimenta o chanceler Ernesto Araújo em sua posse - Sérgio Lima - 1.jan.2019/AFP

Uma das desgraças das relações internacionais é o imperativo de estabelecer barras. Até que ponto um regime sanguinário pode ser um aliado útil, e a partir de qual momento a contagem de corpos ultrapassa o aceitável. Países que se pretendem relevantes passam por isso o tempo todo, errando a maior parte das vezes e não raramente abraçando o cinismo. Por isso é facílimo ser pacifista.

Durante os anos Lula no poder, muitas foram as críticas ao alinhamento do Brasil a regimes párias —a desculpa era comercial, usualmente, mas os benefícios que inundaram os cofres dos vizires do sultanato petista mostram que a motivação ainda mais mundana.

Pulando esse detalhe nada lateral, basta lembrar do papel que a Guiné Equatorial ou a Líbia sob Gaddafi tinham no imaginário retrô da diplomacia lulista. Isso para não falar no embevecimento com fósseis vivos como os irmãos Castro —relação que também passou por investimentos polpudos e questionáveis em Cuba.

Troquemos o disco para 2019. O Itamaraty agora abriga um chanceler que diz admirar Donald Trump como uma espécie de cavaleiro branco a salvar o Ocidente, essa mocinha acossada. Ernesto Araújo se diz empenhado ao lado do americano numa cruzada contra o tal do globalismo, hidra cuja uma das cabeças mais proeminentes é feita de regimes autoritários de esquerda. Opa, temos um por aqui: Nicolás Maduro!

Até aqui, tudo coerente. A coisa complica quando o ministro é confrontado, como foi por um repórter da GloboNews na reunião do Grupo de Lima em Bogotá, a explicar por que Maduro é um interlocutor inaceitável para Brasil e Estados Unidos, enquanto Kim vai se encontrar com Trump nesta quarta (27) em Hanói.

Araújo embananou-se todo. Começou com um prático “situações geopolíticas diferentes” para depois sugerir que Maduro é um ditador pior que Kim pelos atos de violência ocorridos nas fronteiras durante o desastrado “dia D” da oposição venezuelana. O regime aberrante norte-coreano, com décadas nas costas, “não necessariamente” é tão brutal;

O passo seguinte do chanceler, criticar a imprensa (faltou o "imunda", como diz Carlos Bolsonaro) em rede social por supostamente só chamar Kim de ditador depois que ele virou "buddy" de seu ídolo Trump, bom, foi um desastre completo por misturar fantasia paranoica com uma mentira factual. Nada mais típico nos dias que correm.

Além do mais, a Coreia do Norte é comunista, como, aliás, o Vietnã que irá receber a cúpula Trump-Kim. OK, é uma dinastia familiar stalinista, jabuticaba com gosto de kimchi. Mas nominalmente, encarna o demônio máximo do bolsonarismo, que permeia toda sua ideologia de Twitter e cursos online.

Numa sinalização de quem está mandando na casa, a mesma pergunta havia sido feita antes ao vice-presidente, o general Hamilton Mourão, que cumpria o papel de tutor de Araújo —como já relatado, os militares não gostaram das iniciativas do chanceler na largada do governo e intervieram. Para o militar, a situação na Venezuela é “distinta” e os EUA têm de conversar com Kim porque a Coreia do Norte é uma potência nuclear.

O nome disso é realpolitik, a mesma abordagem que norteou a participação brasileira no teatro do fim de semana na Venezuela. Setores da cúpula militar no governo e na ativa divergiram aqui e ali, mas acataram a determinação de Bolsonaro de que algo deveria ser feito.

Aquele caminhãozinho com pneu furado na fronteira era a imagem do vexame, houve mortos do outro lado da divisa, um coronel no local sugeriu que o Brasil tinha de reagir a uma agressão. Com a situação escalando, a observação de que era preciso prudência para esfriar a crise prevaleceu —culminando com a participação moderadora de Mourão em Bogotá.

Como a situação irá evoluir agora depende muito mais da disposição americana de usar a Colômbia como bucha de canhão numa aventura militarista que parece altamente improvável.Por ora, Maduro se encastela com apoio de seus generais e sócios de poder, aproveitando os passos em falso de seus adversários.

Tanto o norte-coreano quanto o venezuelano são ditadores desprezíveis, cada um importante à sua maneira: um tem a bomba, o outro, vive sobre um poço de hidrocarbonetos. Kim Jong-un ascendeu à figura de estadista respeitado nas costas do voluntarismo de Trump. Seria bom que Bolsonaro não cometesse o mesmo erro com Maduro. Isso não é uma defesa da manu militari, mas sim uma constatação da realidade.

 

Falando em realpolitik: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, enverga a túnica de Cassandra em encontros cada vez mais alarmistas com representantes da bolha da Faria Lima que tapou o nariz ao bolsonarismo por entendê-lo como única força capaz de romper com a desgraceira imposta pelo PT ao país. Não perde nada. Se a reforma da Previdência der certo, terá crédito; se ela miar, poderá dizer que avisou.

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