Ao redigir a segunda nota de comprometimento das Forças Armadas com a Constituição em menos de um mês, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo buscou riscar uma linha no movediço chão de Brasília.
Por um lado, deu uma satisfação aos Poderes e à sociedade, reafirmando que o joguinho golpista de Jair Bolsonaro não encontra amparo nos ombros estrelados. De outro, agradou o chefe ao clamar por uma harmonia entre Poderes que os fardados veem desequilibrada pelo Supremo e, também, pelo Congresso.
Objeto da nota de Azevedo, Bolsonaro sugeriu que os militares estão a seu lado enquanto ele protagonizava a bizarra cena com a subcelebridade televisiva Paulo Cintura, uma bandeira de Israel, outra dos EUA e algumas do Brasil ante uma aglomeração de hidrófobos antidemocráticos.
O fim de semana havia sido agitado. A ativa das Forças foi sacudida pela cogitação do presidente de remover o comandante do Exército e talvez substitui-lo por Luiz Eduardo Ramos no ano que vem.
O general de quatro estrelas, que segue na ativa enquanto é secretário de Governo, diz que isso nunca aconteceu.
A poeira havia começado a baixar. Os problemas da vida real se impõem: 600 mortos diários pela Covid-19, e isso com a nossa subnotificação notória. Mas as escolhas do passado recente bateram quase imediatamente à porta dos militares ora envergando ternos.
O envolvimento político com o coração de um governo caótico torna impossível a dissociação desejada pelo alto oficialato, em especial aquele no serviço ativo.
Assim, mal o carrinho de montanha-russa chegou a um platô, e lá estava a queda vertiginosa à frente na forma do interrogatório a que serão submetidos nada menos que os três generais com assento no Planalto.
Ramos, Walter Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) foram citados por Sergio Moro em seu comedido depoimento em que acusa Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal.
Não é uma foto bonita para os "verdes", como políticos ligados à área militar chamam os integrantes do Exército devido à cor predominante em fardas da instituição.
No seu depoimento, Moro diz que Heleno havia dito a Bolsonaro que não seria possível receber os relatórios de inteligência cobrara da PF, e ele e Ramos surgem como intermediários fracassados na tentativa de uma acomodação entre o presidente e seu ministro-estrela.
Inútil: Bolsonaro e Moro se estranhavam de forma fatal desde o começo do ano, quando o ministro engoliu o enésimo batráquio quando o presidente tentou emascular sua pasta das funções de segurança pública. A esperada vaga no Supremo se tornou uma hipótese remota, e foi uma questão de tempo para o caldo entornar.
Voltando aos militares, a dureza impingida pelo decano do Supremo, Celso de Mello, à condução do caso Moro-Bolsonaro sugere que seus depoimentos não deverão ser tomados na base da camaradagem.
O sonho de voltar à vida política ativa, após mais de 30 anos de exílio voluntário nos quartéis, está se desenhando um pesadelo de imagem para os militares.
Escolhas são escolhas. Durante a montagem do governo, generais da reserva chamavam Bolsonaro de tosco e se arrogavam o papel de moderadores. Após o tranco do primeiro ano no poder, quando sentiram o calor da artilharia do bolsonarismo, voltaram a ter esse protagonismo com a piora da crise e do isolamento do chefe.
Que, não obstante, segue chefe, engolfando com suas maquinações paranoicas e agressivas toda a administração –a começar pelos generais que o bancaram.
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