Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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sustentabilidade

Antirracismo nas empresas

É hora de avançar nas práticas de responsabilidade corporativa

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Em um Dia da Consciência Negra marcado pelo horror das imagens do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o teólogo e ativista Ronilso Pacheco postou um desabafo ilustrado com um gráfico em sua conta no Twitter: “Um homem negro espancado até a morte dentro do Carrefour e isso não abalou em absolutamente nada o desempenho da empresa no mercado financeiro. Não adianta dizer que vidas negras importam, enquanto o dinheiro que move o mundo segue ignorando a vida negra e tratando como lixo”, escreveu.

Na segunda-feira seguinte, as ações da rede de supermercados caíram 5%. É provável que a empresa se recupere rapidamente, um privilégio que a família de João Alberto não terá. Situações anteriores similares mostram que práticas não foram transformadas na profundidade e com a agilidade que deveriam. A centralidade do debate sobre racismo e as reações organizadas da sociedade, no entanto, exigem que companhias deixem de limitar suas ações aos momentos em que casos brutais geram repercussão negativa.

Novos selos e métricas de responsabilidade socioambiental corporativa, como os indicadores ESG, precisam contribuir nessa direção. O termo trata da performance das empresas em três áreas: ambiental, social e governança. Ele está associado ao entendimento de que companhias não existem exclusivamente para gerar dividendos a seus acionistas e são também organismos responsáveis pelo desenvolvimento de toda a sociedade. O próprio Carrefour se destaca em métricas ESG, mas não foi a primeira vez que um episódio de violência contra uma pessoa negra ocorre dentro de uma unidade da rede.

O valor total aplicado em ativos financeiros que seguem algum tipo de critério ESG dobrou nos últimos dois anos, atingindo US$ 40,5 trilhões em 2020. Isso equivale a quase 30 vezes o PIB do Brasil em 2019. Por trás do número expressivo, no entanto, é preciso notar os casos em que as empresas alegam adotar “algum tipo de critério ESG”. A adoção seletiva ou superficial desses critérios pode se materializar em tragédias como a que envolveu João Alberto.

Há muitas formas de se tentar transferir responsabilidade em cadeias de produção e logística, e a terceirização é uma das mais relevantes. No caso do Carrefour, os seguranças envolvidos no assassinato eram do Grupo Vector, contratado pela rede. Os perigos da expansão descontrolada da segurança privada no Brasil são conhecidos. Há anos, pesquisadores e organizações da sociedade civil alertam sobre eles. Falta de fiscalização e de previsão legal para a Polícia Federal penalizar as más empresas, uso abusivo da força e envolvimento irregular de policiais, entre muitos outros.

O desafio é sistêmico, mas há caminhos. Como escreveu a advogada de direitos humanos Sheila de Carvalho, as empresas precisam entender que responsabilidade social antirracista é fazer mais que o mínimo de diversificar o perfil dos seus funcionários. Reparar, inclusive financeiramente, famílias, se responsabilizar por situações envolvendo seguranças terceirizados, rever a contratação desse tipo de serviço e realizar treinamentos e ações de prevenção são algumas das possibilidades apontadas.

O poder público também precisa se responsabilizar por legislação e fiscalização apropriadas, e medidas jurídicas para garantir que essas práticas sejam adotadas. Tanto as empresas quanto o Estado devem estar atentos ao que dizem, em especial organizações e coletivos do movimento negro brasileiro.
No discurso, há cada vez menos espaço para se negar a importância da responsabilidade corporativa no enfrentamento ao racismo. É hora de avançar nas práticas.

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