Itamar Vieira Junior

Geógrafo e escritor, autor de "Torto Arado"

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Itamar Vieira Junior
Descrição de chapéu desmatamento

Documentário narra trama de vida e morte de indígenas em defesa de seu território

Filme de Alex Pritz, imprescindível para refletir sobre a preservação da Amazônia, retrata ataques a uru-eu-wau-waus

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O direito ao território parece ser o direito mais elementar de qualquer ser vivo. Humanos e não humanos não prescindem de um lugar para estar no mundo, viver e estabelecer relações com seu entorno.

Mesmo nós, que habitamos a cidade e, às vezes, mudamos de residência com frequência, precisamos do chão onde pisamos e do mundo à nossa volta para transitar e estabelecer laços de pertencimento. Não temos asas para pairar na atmosfera e, mesmo que tivéssemos, ainda precisaríamos do solo para nos alimentar e estabelecer morada.

Tebu, da etnia uru-eu-wau-wau, observa uma área desmatada por invasores da terra indígena em Rondônia - Ueslei Marcelino - 1º.feb.19/Reuters

Não por acaso, a disputa por território é fonte de inesgotáveis conflitos. Basta recordar a questão palestina, os conflitos na Caxemira e a guerra da Tchechênia. Rohingyas e curdos realizaram grandes deslocamentos nos últimos anos por não terem reconhecido o direito ao território. Os conflitos fundiários no Brasil, parte da história do país, se acirraram sobremaneira nos últimos anos: ribeirinhos, quilombolas, indígenas, os sem-terra e os sem-teto são as vítimas mais recorrentes.

O documentário "O Território", uma coprodução Brasil, Dinamarca e EUA, narra o acirramento dos conflitos em territórios indígenas no Brasil do governo Bolsonaro. O filme, com direção de Alex Pritz e produção de Darren Aronofsky e Gabriel Uchida, mostra a invasão regular da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau entre os anos de 2018 e 2020 e a resistência dos locais e de ambientalistas para preservar a floresta.

A terra indígena está localizada no coração do estado de Rondônia, arco do desmatamento subsidiado pelas novas fronteiras agrícolas. A belíssima montagem, unindo gravações de profissionais, imagens primárias realizadas pelos próprios indígenas e imagens de satélites, dá a dimensão da batalha travada nos últimos anos pelos uru-eu-wau-waus.

A etnia foi contatada pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1981, e, de lá para cá, as comunidades que compõem a TI viveram epidemias, invasões de madeireiros, garimpeiros, grileiros e posseiros, além do desmatamento crescente. O resultado é a acentuada supressão da floresta do entorno, a redução da população local e a pressão cada vez maior sobre a área dos indígenas, uma ilha de preservação em meio à devastação.

No documentário, acompanhamos diferentes personagens dessa trama de vida e morte: os jovens Ari e Bitaté Uru-eu-wau-wau, a ambientalista Neidinha Bandeira, além de grileiros e posseiros que expõem suas razões para o avanço sobre a floresta.

O filme relaciona a ascensão do governo Bolsonaro e o aumento do assédio sofrido pelos indígenas. O famoso discurso de ódio proferido no clube Hebraica do Rio de Janeiro pelo presidente da República — ovacionado pelos presentes ao comparar quilombolas a gado e reiterar sua promessa de não titular nem um centímetro de terra para quilombolas e indígenas— surge em meio a tensão crescente com a perspectiva de um novo governo alinhado aos propósitos de destruição da Amazônia. Por fim, a eleição de Bolsonaro, aliada à crescente omissão da Funai, lança inúmeras ofensivas sobre a terra indígena.

"O Território" põe em primeiro plano a luta pela Amazônia, ao centrar a narrativa nas vidas de Bitaté e Neidinha. Bitaté tem pouco mais de 18 anos e é escolhido pelos caciques da aldeia para ser presidente da associação que os representa. Acompanhamos seu senso de altruísmo e coletivo, fruto de sua experiência social. Sua responsabilidade ao assumir os desafios impostos ao seu povo é uma lição para todos nós.

Da mesma maneira, a ambientalista Neidinha Bandeira tem como missão trabalhar pela proteção dos povos indígenas e da floresta.

Condenada a viver parte do tempo como prisioneira em sua própria casa, com muros cada vez mais altos, cercas e câmeras de vigilância pelas recorrentes ameaças à sua vida, Neidinha reitera não temer por sua vida, já que, enquanto a floresta for devastada, todos estarão em risco, em especial os uru-eu-wau-waus. Mas o medo aflora quando as ameaças se estendem às filhas. Não são poucos os momentos que nos dão a medida do trabalho arriscado da ambientalista.

O governo Bolsonaro conjugou durante os últimos quatro anos inércia e destruição —quem recorda do ex-ministro Ricardo Salles dizendo que passaria "a boiada" sobre o regramento ambiental?— restando aos indígenas formarem grupamentos para vigiar e impedir a ocupação e a destruição da terra indígena.

"O Território" é um documentário imprescindível para refletir sobre o tamanho do desafio que o país tem para proteger os povos indígenas e preservar a Amazônia, nosso território, de pé.

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