O tema, embora não fizesse parte do currículo, mobilizava a sala de aula com impressionante frequência. Naquele momento, debater a Folha e seu novo projeto editorial, implementado por Otavio Frias Filho, correspondia a tentativas de desvendar caminhos do jornalismo e, consequentemente, o futuro profissional de muitos daqueles universitários da comunicação.
Corria o ano de 1984, eu frequentava o curso de jornalismo da ECA-USP e observava, de longe, Otavio Frias Filho assumir a direção de Redação do jornal e implementar o Projeto Folha, apoiado em pilares como abordagem crítica, apartidarismo e pluralismo.
Em vários microcosmos jornalísticos, como o universitário, a Folha e suas mudanças revolucionárias aguçavam uma hiperpolarização. Havia os críticos, a, por exemplo, caçoar de idiossincrasias do "Manual da Redação" e a abominar a estratosférica exigência de qualidade, tensão constante a imperar no ambiente de trabalho.
Em outro polo, concentravam-se os fascinados pelo trepidante momento do jornalismo. Aderir ao Projeto Folha significava participar de uma efervescente iniciativa histórica. E eu, seguidor da Folha desde a infância, sonhava com a possibilidade.
Meu pai me levava à escola primária de carro e, no trajeto, eu lia fragmentos da Folha. Devorava inicialmente textos sobre o Corinthians, uma de minhas paixões. Pouco a pouco, o universo alvinegro disputava atenção com o noticiário internacional.
Adolescente, descobri a filatelia. Por meio dos selos, viajava pelo mundo. Um amigo de meus pais também gostava do colecionismo e, para minha admiração, era jornalista da Folha. Seu nome: Julio Abramczyk.
Sabedor de minha fascinação jornalística, Abramczyk me apresentou à então editora da Folhinha, Cecilia Zioni, e sugeriu textos meus, para crianças, sobre o passatempo. Proposta aceita, anunciava a edição de 12 de fevereiro de 1982: “Jaime Spitzcovsky é um rapaz de 16 anos, muito interessado em filatelia, isto é, em colecionar selos e descobrir um mundo de coisas novas e interessantes”.
Encostei, meses depois, os álbuns filatélicos na estante, parei a colaboração com a Folhinha e ingressei na universidade.
Naqueles anos, Otavio Frias Filho, empenhado em inovar, recheava a Redação com recém-saídos da faculdade, turma a dividir mesas e computadores com profissionais experimentados, donos de reconhecido prestígio e trajetória.
Fui contratado, como redator, aos 22 anos. Seis meses depois, Otavio me convidou a assumir a editoria de Exterior, atualmente denominada Mundo. A coragem do diretor de Redação me proporcionou acesso célere a anseios profissionais embalados desde a adolescência.
O ingresso no jornalismo diário coincidiu com a expansão inicial do Projeto Folha e também com um período histórico ímpar. Os anos 1980 e 1990 se mostraram pródigos em mudanças abissais.
No Brasil, a campanha das Diretas-já, a transição democrática, a eleição presidencial de 1989, o Plano Real. No cenário global, a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, a desintegração da URSS, a decolagem da China.
Para mim, da infância à maturidade, a Folha se encaixou como uma lente a ajudar na construção de minhas percepções de mundo. Mergulhei, na leitura ou na escrita, em temas variados, como Corinthians, selos, pets (outra paixão, sobre a qual discorri por alguns anos) ou geopolítica.
A lente alcançou agora o centenário. E, vivaz, continuará sempre à procura de novos enfoques.
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