O presidente egípcio, Anuar Sadat, moldava a história ao desembarcar em Israel a 19 de novembro de 1977. Desfazia a contenda responsável por quatro sangrentas guerras e tornava-se o primeiro líder árabe a visitar o ex-inimigo.
“Meu coração batia forte enquanto o via descendo as escadas [do avião]. Ele parecia tão sereno e confiante”, escreveu a então primeira-dama, Jehan, na autobiografia intitulada “Uma Mulher do Egito”. Do Cairo, ela acompanhava a cena pela TV.
Jehan Sadat morreu em 9 de julho, aos 87 anos, na capital egípcia. Deixou um legado de ativismo pela paz e pelos direitos das mulheres, além de intensa produção acadêmica em uma de suas paixões, a literatura.
Com personalidade forte e elegância inconfundível, Jehan transformou o papel de primeira-dama no Egito. Proporcionou visibilidade inédita ao cargo, a exemplo de, apesar do diferente contexto geográfico e político, Raíssa Gorbatchova, a mulher do arquiteto da perestroika e responsável por impulsionar o poder feminino no Kremlin.
Em seus escritos, a viúva de Anuar Sadat confessava a admiração pela indiana Indira Gandhi e pela israelense Golda Meir. Lembrava o fato de as duas, além de chefiarem governos, terem atravessado, no poder, momentos de guerras dramáticas com países vizinhos.
Jehan contava uma história a jogar luzes sobre a famosa argúcia de Golda Meir. Quando a israelense encontrou-se pela primeira vez com Sadat, em Israel, ela soltou uma pergunta temperada com bom humor: “Por que você está tão atrasado? Estávamos esperando”.
Sadat surpreendeu em 9 de novembro de 1977, quando, no discurso do Parlamento, anunciou a disposição de visitar Jerusalém. Jehan também foi surpreendida. Conversas domésticas não incluíram a iniciativa pacificadora.
“Paz. Paz com Israel. Balançava a cabeça sem acreditar. Jamais um líder árabe havia visitado Israel. Mas meu marido não era um homem comum”, escreveu Jehan, sobre o anúncio da ousada opção. E, na viagem a Jerusalém, Anuar ignorou um pedido da mulher: não usou colete à prova de balas.
Egito e Israel, com intermediação dos EUA, assinaram a paz em 1979. A 6 de outubro de 1981, um ataque terrorista, perpetrado por fundamentalistas egípcios, assassinou Anuar Sadat, durante desfile militar no Cairo.
As Forças Armadas chegaram ao poder no Cairo em 1952, quando derrubaram a monarquia pró-EUA e aproximaram o país da URSS, em plena Guerra Fria. O Kremlin festejou a aliança com um país-chave, do ponto de vista estratégico, do mundo árabe.
Líder na nova era, Gamal Abdel Nasser solidificou o repressivo regime militar e lançou o movimento pan-arabista, baseado em ideias como desafio às potências ocidentais e a destruição de Israel.
Derrotas políticas e militares enfraqueceram o nasserismo. Em 1970, Nasser morreu e foi sucedido pelo vice-presidente Anuar Sadat, herói da luta contra o colonialismo britânico nos anos 1940.
Em 1973, Sadat ordenou o ataque a Israel, na guerra do Yom Kipur. Após o conflito, o presidente promoveu a guinada histórica, orientado por necessidades econômicas e visão estratégica: trocou o “ouro de Moscou” por ajuda financeira norte-americana e posicionou o Egito no chamado campo ocidental.
Veio também a aproximação com Israel e, em parceria com o israelense Menachem Begin, Sadat ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 1978.
“Sua visão e sua coragem ajudariam muito o processo de paz hoje em curso”, declarou Jehan Sadat em entrevista à Folha, no longínquo ano de 1989. A mensagem, no entanto, vale até os dias atuais.
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