Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Princípio militar da Guerra Fria ajuda a manter surpreendente frente ampla de Israel

Sobrevivência de 'geringonça política' reforça possibilidade de construção de agendas à revelia de diferenças programáticas

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De forma surpreendente, o governo israelense se esmera em desafiar tradições políticas e sobrevive desde junho, ao superar a miscelânea partidária e contrariar previsões de inevitável dissolução. O gabinete ideologicamente mais caleidoscópico da história do país se sustenta em dois pilares: interrupção do reinado do ex-premiê Binyamin Netanyahu e a ideia da "destruição mútua assegurada".

Conhecido também pela sigla em inglês "MAD" (mutual assured destruction), o conceito militar plasmou a Guerra Fria. Externava a doutrina de Estados Unidos e União Soviética evitarem a todo custo um conflito militar entre os dois maiores arsenais nucleares do planeta.

O princípio metaforicamente transplantou-se para o governo de Israel. Integrado por oito partidos, da direita "falcão" à esquerda "pomba", incluindo um grupo árabe conservador e de orientação islâmica, o gabinete evita pautas a escancarar abissais diferenças ideológicas e concentra esforços em agendas comuns, a fim de evitar sua desintegração.

Primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, conversa com ministros, enquanto preside a primeira reunião semanal do gabinete de seu governo, em Jerusalém
Primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, conversa com ministros, enquanto preside a primeira reunião semanal do gabinete de seu governo, em Jerusalém - Emmanuel Dunand - 20.jun.21 / AFP


A acrobacia política busca, além de afastar Netanyahu do poder, interromper o ciclo de votações responsável por inédita crise política. Entre 2019 e 2021, o país realizou quatro eleições, incapazes de produzir um gabinete estável.

Com estilo controverso e centralizador, o direitista Netanyahu, no poder desde 2009, mergulhou o país em polarização "personalista" e não mais ideológica. O cenário das últimas eleições substituiu o tradicional embate esquerda-direita pelo duelo entre os campos pró e anti-Bibi.

Prova da fratura social recai no placar da aprovação do novo governo no Parlamento: 60 votos a 59, com uma abstenção. Os oposicionistas assumiram a 13 de junho, em meio aos desafios da pandemia, aos perenes espinhos geopolíticos da região e também sob a sombra de um Netanyahu com promessas de voltar ao poder, apesar de enfrentar processos na Justiça, com acusações de fraude, suborno e quebra de confiança.

Choveram previsões de vida curta a um governo liderado pelo direitista Naftali Bennett, com o centrista Yair Lapid na pasta das Relações Exteriores à espera de 2023 para assumir a chefia de governo, acordo de rodízio no topo do poder.

Empenhada em evitar a volta do Likud, partido de Netanyahu, ao governo, a coalizão encontrou, ao menos por enquanto, espantoso modus vivendi. Avançou em iniciativas de combate à pandemia, aprovou orçamentos e medidas econômicas e aprofundou a aproximação com ex-adversários do mundo árabe, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos.

Diferenças ideológicas não evaporaram. Enquanto Bennett reafirmava a oposição à ideia de um Estado palestino, o ministro da Defesa, o centrista Benny Gantz, recebia em sua casa Mahmoud Abbas, sucessor de Yasser Arafat.

O quebra-cabeças governamental entregou à esquerda as pastas da Saúde, fundamental nos tempos atuais, e dos Transportes, enquanto direitistas implementam seus ideários nos ministérios das Finanças e da Justiça. Há, no entanto, notícias desafiadoras ao premiê, alvo de forte desgaste de sua imagem provocado por derrapagens no combate à pandemia, nos esforços por recuperação econômica e pela intensa ofensiva política de seu maior adversário, Netanyahu.

De qualquer forma, a simples sobrevivência da geringonça política israelense por cerca de oito meses já surpreende e reforça a possibilidade de construção de agendas nacionais, à revelia de diferenças programáticas. Até porque, no caso de Israel, não se trata de uma frente ampla. Ela é, ideologicamente falando, amplíssima.

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