Descrição de chapéu Itamaraty

Brasil é exemplo ao se opor à 'discriminação contra Israel', diz chanceler

Yair Lapid, que deve assumir como premiê em 2023, elogia apoio de Bolsonaro e endurece discurso contra Irã

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São Paulo

A diplomacia israelense vê o Brasil como um exemplo para outros países por adotar, nas palavras do chanceler Yair Lapid, uma "política de oposição à discriminação contra Israel" em foros internacionais. O titular da pasta é também o primeiro-ministro alterno de Israel e deve assumir o posto em agosto de 2023.

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2019, o Brasil mudou sua orientação diplomática e passou a apoiar Israel nas Nações Unidas e em outros foros multilaterais.

No ano passado, o governo brasileiro votou contra resolução da ONU que reconhecia o direito internacional nos territórios palestinos ocupados, condenava a violência e pedia que os responsáveis por crimes fossem julgados no Tribunal Penal Internacional em Haia. Em 2021, se absteve em votação que propunha a abertura de uma investigação internacional contra Israel por causa de ataques em Gaza.

"Israel tem uma parceria estreita e estratégica com o Brasil, enraizada em interesses e valores comuns, e apreciamos muito o apoio que recebemos do Brasil em instituições internacionais, incluindo as Nações Unidas", disse Lapid à Folha, em entrevista por email.

Chanceler israelense, Yair Lapid, dirige-se para reunião semanal de gabinete, em Jerusalém
Chanceler israelense, Yair Lapid, dirige-se para reunião semanal de gabinete, em Jerusalém - Reuters

Bolsonaro perdeu um aliado importante com a saída do ex-premiê Binyamin Netanyahu, um populista de direita, em junho. No governo de coalizão que assumiu, que vai da direita nacionalista à ultraesquerda, o primeiro-ministro Naftali Bennett, de direita, cederá o cargo a Lapid, de centro, no meio do mandato.

Em entrevista ao jornal americano The New York Times em 2019, o chanceler havia pregado o afastamento de Israel de líderes populistas de ultradireita como Bolsonaro e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, e maior alinhamento a figuras de centro como Emmanuel Macron, presidente da França, e Mark Rutte, premiê da Holanda.

À Folha, não fez críticas ao governo brasileiro, condenou as tentativas de ressuscitar o acordo nuclear com o Irã e pediu que as sanções contra o país não sejam retiradas.

Foram retomadas as negociações para reviver o acordo nuclear com o Irã. Israel se opôs ao acordo assinado em 2015 e apoiou a decisão de Donald Trump, então presidente dos EUA, de abandoná-lo. Agora, o Irã exige que todas as sanções sejam suspensas, como forma de compensar o rompimento unilateral. Olhando em retrospecto, foi um erro os americanos abandonarem o acordo? Fui contra o acordo, e ainda acho que ele não foi bom. Mas, na época, eu disse que, antes de rescindi-lo, era importante levar alguns meses para coordenar a retirada com os europeus e hoje vemos que isso estava certo. Mas o mais importante hoje é não suspender as sanções ao Irã.

O senhor vê uma saída para reviver o acordo nuclear? Qual seria a melhor maneira de lidar com as capacidades nucleares do Irã? O Irã representa uma ameaça global. Todo o mundo pode e deve agir com determinação para impedir o avanço do programa nuclear iraniano e suas atividades malignas. Um Irã nuclear lançará todo o Oriente Médio em uma corrida armamentista. Um Irã nuclear será um Irã encorajado e vai instigar seus representantes terroristas a expandir ainda mais suas atividades em todo o mundo.

O Irã não pode ganhar tempo, lucrar bilhões com a remoção das sanções, enganar o mundo e promover secretamente seu programa nuclear. Isso é o que eles fizeram no passado e é o que farão desta vez também. A fórmula para evitar um Irã com capacidade nuclear é clara: sanções mais severas, supervisão mais rígida, e conduzir qualquer negociação com o Irã a partir de uma posição de força. Deve haver uma ameaça militar confiável sobre a mesa. Se os iranianos pensarem que o mundo não pretende realmente detê-los, eles correrão em direção à bomba. Devemos deixar claro que o mundo não permitirá que isso ocorra.

Organizações judaicas no Brasil têm denunciado o crescente antissemitismo no país e o papel de Bolsonaro em estimular visões radicais. Houve um aumento no número de grupos nazistas e no conteúdo antissemita na internet. Bolsonaro recebeu no palácio presidencial a legisladora Beatrix von Storch, da legenda alemã de ultradireita AfD, neta de um ministro do governo nazista. Um dos ministros de Bolsonaro fez um vídeo emulando Joseph Goebbels. Como o senhor vê esse cenário? Nós, em Israel, estamos preocupados com a tendência global de aumento de incidentes antissemitas. Estamos acompanhando de perto a situação na América Latina e no Brasil. A segurança das comunidades judaicas em todo o mundo, inclusive na América Latina, é uma das principais prioridades de Israel.

É por isso que estamos encorajados com a recente decisão do Brasil de ingressar na Aliança Internacional para a Memória do Holocausto. Também valorizamos iniciativas para introduzir um dia nacional de memória do Holocausto. Desde que assumi o cargo de ministro das Relações Exteriores, deixei claro que uma das principais prioridades globais de Israel será a luta contra o antissemitismo e o ódio em todas as suas formas. Acredito que estamos em um terreno comum sobre este assunto com o Brasil.

Os EUA se opuseram fortemente aos planos de Israel para assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada, considerando-os prejudiciais para as perspectivas de paz entre israelenses e palestinos. Quais são os planos do governo israelense para expandir os assentamentos na região? Israel determina suas políticas de acordo com seus próprios interesses e de uma forma que minimiza desacordos com nossos aliados e parceiros em todo o mundo. Dito isso, tenho sido consistente em dizer que precisamos nos concentrar agora em medidas para garantir a paz no futuro e também para melhorar a vida dos palestinos.

O governo Bolsonaro tem apoiado Israel na ONU, ao contrário de gestões anteriores no Brasil, e tem fortalecido a relação bilateral. Ele até prometeu transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, o que ainda não se concretizou. O senhor ainda espera essa transferência? Como o senhor vê a relação entre o governo Bolsonaro e Israel? Israel tem uma parceria estreita e estratégica com o Brasil, enraizada em interesses e valores comuns, e apreciamos muito o apoio que recebemos do Brasil em instituições internacionais, incluindo as Nações Unidas. O Brasil está estabelecendo um exemplo para muitos outros países em sua política de oposição ao tratamento discriminatório contínuo de Israel em foros internacionais.

Também nos orgulhamos de nossas crescentes relações comerciais desde a assinatura do acordo de livre comércio com o Mercosul. Hoje, vivemos uma época ainda melhor em termos de alcance e amplitude de nossa relação bilateral. E estou empenhado em trabalhar para garantir que essa tendência positiva continue, assim como nosso novo embaixador em Brasília, Daniel Zohar-Zonshine.

Em relação a Jerusalém, ela é a capital eterna do povo judeu. Em todos os países do mundo, as embaixadas estão localizadas na capital do país anfitrião, e Israel não deveria ser exceção. Portanto, instamos todos os países a se unirem àqueles que já mudaram suas embaixadas para Jerusalém.

O governo israelense reduziu de 102 para 37 sua lista de países elegíveis para comprar tecnologias de vigilância cibernética da empresa israelense NSO, fabricante do Pegasus, após crescentes críticas ao uso dessas ferramentas por governos estrangeiros para espionar ativistas de direitos humanos e jornalistas. Por que o Ministério da Defesa de Israel está reavaliando a lista para as exportações de ciberdefesa e por que o Brasil não está incluído na lista? Israel tem discutido esse assunto com o governo brasileiro, e é nosso entendimento que eles estão satisfeitos com as conclusões a que chegaram.


Raio-x | Yair Lapid, 58

Jornalista e apresentador de TV, lançou-se na política israelense em 2012, fundando o partido centrista Yesh Atid. Foi ministro das Finanças de Binyamin Netanyahu em 2013 e, em três eleições entre 2019 e 2020, integrou, com seu partido, a aliança de centro liderada por Benny Gantz —que acabou derrotada. Como líder da oposição, em 2021 juntou forças ao atual premiê Naftali Bennett para formar a coalizão que pôs fim à era Netanyahu. É o atual chanceler e, segundo o acordo com Bennett, deve assumir como premiê em 2023.

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