Governo de Israel comete apartheid contra palestinos, diz Anistia Internacional

Organização de direitos humanos aponta que sistema visa a beneficiar judeus do país

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Belo Horizonte

A Anistia Internacional divulgou, nesta terça-feira (1º), um relatório condenando recentes ações de Israel envolvendo os palestinos, no que a organização caracteriza como um "apartheid fruto de políticas públicas". No documento de 280 páginas, a instituição cita casos em que o governo israelense estaria oprimindo a comunidade árabe com a restrição a direitos civis e econômicos.

Em abril, a ONG Human Rights Watch também acusou Tel Aviv de cometer uma espécie de apartheid e de promover a perseguição a árabes e palestinos —o que, no direito internacional, equivaleria a crimes contra a humanidade.

De acordo com a Anistia, Israel impõe "um sistema de opressão e dominação contra palestinos em todas as áreas sob seu controle", com o propósito de "beneficiar os judeus israelenses". O relatório aponta quatro estratégias do governo para cumprir esse objetivo: fragmentação em domínios de controle; desapropriação de terrenos e propriedades; segregação; e privação de direitos econômicos e sociais.

Palestinas durante manifestação na sede do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em Gaza, em apoio a mais de mil prisioneiros atualmente em prisões israelenses
Palestinas durante manifestação na sede do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em Gaza, em apoio a mais de mil prisioneiros atualmente em prisões israelenses - Mohammed Abed - 31.jan.22 / AFP

A instituição ressalta que Israel, ao longo de sua história (o Estado foi estabelecido em 1948), expulsou centenas de milhares de palestinos do território e destruiu centenas de aldeias, "no que equivale a uma limpeza étnica". Palestinos vivem hoje principalmente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza —territórios cercados por barreiras—, sem contar os 20% da população israelense composta por árabes.

"Isso teve o efeito de minar laços familiares, sociais e políticos entre as comunidades palestinas e de suprimir a dissidência contra o sistema do apartheid; também ajuda a maximizar o controle judaico-israelense sobre a terra e a manter uma maioria demográfica judaica", destaca a Anistia.

De acordo com a organização, esse apartheid também pode ser visto em políticas civis, a exemplo da negação em conceder cidadania a palestinos casados com israelenses. Antes de 2003, quando a legislação foi adotada, casais árabe-israelenses tinham direito a acessar livremente cidades fora da Cisjordânia, uma vez que cônjuges conquistavam a cidadania.

"Israel também impõe severas limitações a direitos civis e políticos dos palestinos, para suprimir a dissidência e manter o sistema de opressão e dominação. Milhões de palestinos na Cisjordânia continuam sujeitos [...] às ordens militares draconianas adotadas desde 1967", diz o documento.

O relatório também aponta que, por mais de 73 anos, Tel Aviv tem deslocado à força comunidades palestinas. Segundo a organização, centenas de milhares de casas foram demolidas e mais de 6 milhões de palestinos continuam refugiados —com 168 mil deles "em risco iminente de perder suas casas, muitos pela segunda ou terceira vez".

Em outubro, o governo do primeiro-ministro Naftali Bennett publicou a licitação para a construção de novas residências na Cisjordânia e sinalizou que as autoridades debateriam a autorização para outros 3.000 imóveis. A maioria das nações ocidentais considera ilegais os assentamentos na região.

Esse aparato israelense, segundo a Anistia, seria responsável pelos problemas econômicos enfrentados pelos palestinos. "Milhões de palestinos dentro de Israel e de Jerusalém Oriental vivem em áreas densamente povoadas que geralmente são subdesenvolvidas e carecem de serviços essenciais adequados, como coleta de lixo, eletricidade, transporte público e infraestrutura de água e saneamento", diz o documento. Com isso, caem as chances de conseguir um bom emprego e evoluir financeiramente.

Soma-se a isso o bloqueio israelense à Faixa de Gaza, hoje controlada pelo Hamas —grupo considerado terrorista por Tel Aviv. De acordo com a Anistia, há na região grave escassez de habitação, água potável, eletricidade, assistência médica, alimentos, equipamentos educacionais e materiais de construção. Em 2020, Gaza tinha a maior taxa de desemprego do mundo e mais da metade de sua população vivia abaixo da linha da pobreza, aponta o relatório.

O diretor do Instituto Brasil-Israel, Daniel Douek, concorda com as constatações da Anistia de que palestinos sofrem com a falta de direitos em regiões controladas pelo governo de Israel na Cisjordânia. Ele descarta, porém, a hipótese de que práticas semelhantes às de um apartheid estejam ocorrendo em toda a área e defende que a porção árabe que vive em cidades israelenses é amparada por direitos sociais.

"Quando a Anistia procura igualar palestinos com cidadania aos sem cidadania, acaba dando munição para israelenses que desconsideram práticas discriminatórias do Estado e apresentam apenas exemplos da experiência desse primeiro grupo", afirma. "É uma situação complexa, e o risco é usar esse relatório para misturar aspectos simétricos e assimétricos de um conflito de décadas".

Ele acrescenta que há em Israel várias organizações pró-direitos humanos e personalidades que condenam as exclusões de políticas públicas para os palestinos. "Esse debate está posto na sociedade. É importante lembrar que Israel foi criado em nome dos direitos humanos e preocupações desse tipo encontram-se ali, da mesma forma que em qualquer outro país."

Para Douek, é possível comparar a situação de palestinos com cidadania israelense com as de negros no Brasil. "Formalmente, são cidadãos iguais a qualquer outro, mas informalmente há diferenciações de recursos empregados nas cidades de maioria árabe em relação às de maioria judaica", diz.

"Há organizações internacionais que chamam a atenção para as violações de direitos humanos do governo Jair Bolsonaro, mas também há uma sociedade civil brasileira mobilizada contra essas práticas."

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