Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Do pacifismo de Jane Fonda ao porta-aviões Ronald Reagan

Há 50 anos, atriz protagonizou ato antiguerra no Vietnã, hoje um aliado dos EUA

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Carismática e desafiadora, a atriz hollywoodiana posou para fotos ao lado de militares em Hanoi, capital do regime vietcongue. Jane Fonda, no auge de seu ativismo pacifista, enraiveceu e orgulhou compatriotas, ganhou rótulos de traidora e de heroína. Vivia-se, a 13 de julho de 1972, um dos momentos mais sangrentos e dramáticos do conflito ícone das rivalidades da Guerra Fria.

Cerca de 50 anos depois, na segunda quinzena de julho, o porta-aviões Ronald Reagan chegará a um Vietnã governado pelo mesmo Partido Comunista dos idos do confronto. Em outro reflexo da aliança estratégica, desembarcaram em Hanoi, no ano passado, a vice-presidente Kamala Harris e o secretário de Defesa Lloyd Austin.

Jane Fonda visita o Vietnã - Arquivo AFP - 25.jul.72

Na reviravolta diplomática, nem sombra das fraturas na sociedade americana dos tempos da Guerra do Vietnã, embora ainda haja vozes contrárias à aproximação com o ex-inimigo. Kamala, sinal dos tempos, não virou alvo de críticas tão intensas como a iniciativa da atriz, à época apelidada de "Hanoi Jane".

"Durante a guerra, apesar de seu formidável poderio econômico e militar, os EUA não puderam vencer uma nação como a nossa. Por quê? A nação estava absolutamente determinada a lutar por sua independência nacional e liberdade. Costumo dizer que o poder militar e econômico tem seus limites", ponderou o general Vo Nguyen Giap (1911-2013) em entrevista à Folha, em 1995.

"O poder maior está no homem, na nação", prosseguiu o militar, comandante de vitórias sobre tropas japonesas, francesas, americanas e chinesas. No encontro em Hanoi, perguntei ao general se algum país poderia desafiar a hegemonia militar americana. "Para que isso? Para que desafiar os EUA?", contestou.

O general, na resposta, defendia o pragmatismo da "doi moi", renovação em vietnamita e nome das reformas econômicas iniciadas em 1986, com um claro referencial: a China. Injetar doses de capitalismo, sem o Partido Comunista abrir mão do monopólio do poder político. Hanoi passou a seguir os passos bem-sucedidos, do ponto de vista do crescimento da economia, do gigantesco vizinho do norte, com quem coleciona rivalidades e disputas de fronteiras. Foram à guerra, por exemplo, em 1979.

Numa Ásia cada vez mais recortada pelo crescente peso do país de Xi Jinping, o Vietnã encontrou nos EUA um valioso aliado. Busca, com apoio de Washington, fazer frente aos crescentes avanços de Pequim no Mar do Sul da China, corredor estratégico para o comércio internacional e cujas águas são palco de disputa entre vietnamitas e chineses.

O temor frente a demandas da China, portanto, leva os inimigos do século 20 a construírem agora laços militares, numa relação ainda regada a interesses no dinamismo econômico vietnamita.

Mas as rivalidades históricas, geopolíticas e territoriais não impedem Hanoi de cultivar vínculos com a China, sobretudo na área econômica. Os vietcongues modernos flexibilizaram a cartilha ideológica, recorreram ao pragmatismo e ampliaram o cardápio diplomático, sem o sectarismo do passado.

O Vietnã pratica, portanto, uma das respostas no cenário global ao dilema colocado pela crescente rivalidade entre EUA e China. Em vez de optar apenas por um dos lados, Hanoi constrói uma diplomacia com desbotados tons ideológicos e forte viés pragmático, impostos por uma agenda nacional, em busca do crescimento econômico e da defesa de seus interesses geopolíticos.

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