Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Descrição de chapéu Todas Chuvas no Sul

O que você compraria se o mundo estivesse acabando?

Entre uma notícia apocalíptica e outra, uma influenciadora lhe mostra seus 'achados' da mais nova ultra fast fashion

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Outro dia me deparei com um artigo cujo título me chamou atenção:

"O Mundo não vai acabar", ele dizia. E, por um milésimo de segundo, suspirei aliviada, acreditando ser verdade, apesar de todas as indicações contrárias. Mas o título não terminava aí.

"O mundo não vai acabar. Mas vai."

Pronto. Lá se foi aquele frágil fiapo de esperança. Segui lendo, tentando buscar no artigo alguma outra boia de salvação, mas encontrei o exato oposto. Segundo o texto, o fim do mundo não será resultado de um meteoro que instantaneamente nos fará desaparecer do planeta, como mostram os filmes de ação, mas sim de um meteoro que já colidiu conosco faz tempo, mas que só agora começamos a sentir mais intensamente seus efeitos. Sim, a catástrofe climática não é futuro, ela já está entre nós.

Infelizmente, tive que concordar com o tal artigo. Basta olhar ao redor, ou ligar a TV, ou abrir as redes sociais para ver que o cenário não é dos mais positivos, e o presente já não parece um lugar nada amigável. Enchentes nunca antes vistas, recordes de temperatura nos oceanos, geleiras derretendo, secas que parecem não ter fim e geram queimadas que parecem lamber regiões inteiras. Isso sem falar em tudo aquilo que, nós humanos, seguimos fazendo a despeito da ciência, da compaixão e do bom senso gritarem pelo contrário.

Garota faz uma compra na internet no computador com cartão de crédito
O comportamento de comprar muito pode ser explicado como uma compensação para a sensação de falta de controle que sentimos diante do cenário que se apresenta à nossa volta - kkolosov/Adobe Stock

A abundância de desgraça é tanta que deu origem ao termo: "doom scrolling", ou, numa tradução literal, algo como "navegação apocalíptica", ou seja, o ato de navegar pela internet pulando de uma notícia ruim para outra pior ainda.

E diante de toda essa incerteza, ou melhor, diante da certeza de que estamos vivendo tempos difíceis, haveria de se esperar que estivéssemos olhando ao redor e priorizando o que de fato nos é mais rico. Mas a proliferação de desastres em nossas timelines parece ter outro efeito: o consumo.

Estamos comprando e comprando muito e, por incrível que pareça, uma parcela significativa desse consumo pode ser consequência direta deste mesmo apocalipse que estamos experimentando em doses não tão homeopáticas. O fenômeno também já tem nome e deriva justamente daquele já mencionado. O "doom spending" é o termo que se dá à combinação do "doom scrolling" e a consequente vontade incontrolável de comprar coisas online (das quais obviamente não precisamos).

Uma pesquisa realizada no ano passado nos Estados Unidos demonstrou que as gerações mais novas estavam especialmente sujeitas a esse tipo de comportamento, com 35% dos jovens pertencentes à geração Z e 43% dos millennials confirmando que consomem mais quando se sentem estressados ou sobrecarregados.

O comportamento pode ser explicado como uma compensação para a sensação de falta de controle que sentimos diante do cenário que se apresenta à nossa volta. Um cenário, diga-se de passagem, especialmente sombrio para essas gerações mais jovens que, além das mudanças climáticas, enfrentam as incertezas de um mercado de trabalho que pressiona jovens para a informalidade ou o "empreendedorismo", oferecendo cada vez menos em troca, além de um panorama econômico extremamente volátil.

E no meio de tudo isso, entre uma notícia apocalíptica e outra, uma influenciadora lhe mostra seus "achados" da mais nova ultra fast fashion a aterrissar em terras brasileiras. O vestido custa apenas 30 reais. Cabe no seu bolso. E está a um clique de distância. Você clica, passa o cartão, recebe a confirmação da compra. E assim, diante da falta de controle sobre o apocalipse já em curso, aquela compra surge como uma fuga, um pequeno ato de rebeldia contra a incerteza. E essa sensação de controle em meio ao caos, apesar de fugaz, é absolutamente viciante.

O problema é que ela contribui a curto, médio e longo prazo, para mais incertezas. Doom spending é ruim para a conta bancária de quem consome e para o planeta, cujos recursos seguem explorados à exaustão para suprir demandas supérfluas. Portanto, a próxima vez que você precisar de um belo trago de controle para lidar com o apocalipse, sugiro guardar o cartão de crédito e assar um bolo.

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