João Wainer

Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

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João Wainer

Massacre do Carandiru, 30 anos depois: não aprendemos nada

Violência e ódio não podem mais ser política de Estado porque essa conta sempre chega

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Uma das imagens que compõem projeto de documentação feito por João Wainer no Carandiru entre 1998 e 2002; imagens também foram publicadas no livro 'Aqui Dentro: Páginas de uma Memória' com organização de Maureen Bisilliat João Wainer

A frase "bandido bom é bandido morto", de autoria atribuída ao ex-deputado estadual e apresentador de TV Luiz Carlos Alborghetti, morto em 2009, desde que se popularizou em programas policialescos, foi utilizada para justificar as atrocidades cometidas pelo Estado.

Sob esse argumento, agentes de segurança decidiram por conta própria que tinham o direito de matar, sem julgamento ou direito à defesa, todos aqueles que considerassem bandidos, colaborando para a indecente estatística de mais de 60 mil homicídios anuais no Brasil.

Bradando esse tipo de absurdo, políticos foram e são eleitos até hoje em uma ode à estupidez e à ignorância política que culminou com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Esse tipo de pensamento só fez aumentar a violência que eles dizem combater, mas que na verdade adoram, pois não seriam nada sem ela.

Quando há exatos 30 anos, no dia 2 de outubro de 1992, centenas de policiais entraram armados para conter uma rebelião no pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção e mataram 111 presos de forma covarde às vésperas de uma acirrada eleição municipal, uma parte expressiva da população comemorou a chacina e, em êxtase, não teve dúvidas, foi às urnas no dia seguinte, elegeu Paulo Maluf prefeito de São Paulo e foi dormir tranquila com a certeza de que com aquele voto e com a "Rota na rua" estariam resolvendo o grave problema da violência na cidade.

A carnificina, ao contrário, atiçou o instinto de sobrevivência de uma população carcerária que já vinha se organizando nos pavilhões do Carandiru. Os presos perceberam que eram descartáveis e tinham pouco a perder. Esse sentimento fez com que vários grupos se organizassem na Detenção, como os Serpentes Negras, a Seita Satânica e o CRBC.

Em agosto de 1993, um ano depois, na Casa de Custódia de Taubaté, oito detentos, em sua maioria oriundos do Carandiru, fundaram a maior de todas as facções, o Primeiro Comando da Capital, que surgiu para fazer frente à tortura e à extorsão por parte do Estado, que além dos maus-tratos, não cumpria a Lei de Execuções Penais, que garante ao preso o direito à ressocialização e condições mínimas de sobrevivência.

De um simples sindicato de presos, o PCC se transformou na maior organização criminosa do continente. Hoje, esse grupo conta com mais de 30 mil membros em vários países e é um dos principais fornecedores da cocaína consumida na Europa, Ásia e parte da África.

Desde sua fundação, a organização matou juízes, promotores e agentes penitenciários, orquestrou rebeliões simultâneas que deixaram o poder público desconcertado e parou a cidade de São Paulo nos ataques de 2006.

Cada tiro dado naquele massacre odioso saiu pela culatra e acertou em cheio a cara da sociedade que vibrou com aquilo.

O jornalista Josmar Jozino, sumidade no assunto, descreve um diálogo ocorrido entre José Ismael Pedrosa, diretor do Carandiru à época do massacre e um dos fundadores do PCC, Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, em que o bandido diz ao diretor: "O PCC foi fundado por nove pessoas. Os oito presos e o senhor". Pedrosa foi assassinado pela facção pouco tempo depois.

A filosofia de que bandido bom é bandido morto serviu para criar um monstro que segue crescendo e tirando o sono daqueles que acham que atos de violência inconstitucionais podem resolver o problema da segurança pública no país. O crime e a violência são um problema gravíssimo que deve ser combatido dentro da lei.

Bandido bom é bandido preso sem esculacho, que cumpre pena e sai recuperado. Quando o Estado delínque e agentes públicos deixam de lado a Constituição, os cidadãos sentem-se autorizados a fazer o mesmo.

Assim como em 1992, estamos na véspera de uma eleição importante. Operações policiais sangrentas foram feitas na última semana no Rio de Janeiro levantando suspeitas de uso eleitoral. Sangue dá voto em uma sociedade conservadora e amedrontada como a brasileira.

O futuro do país começa a ser decidido nas urnas neste domingo (2). Violência e ódio não podem mais ser política de Estado porque essa conta sempre chega. E nunca fica barato.

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