João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Bolsonaristas que não se fanatizaram podem ter vergonha do capitão

Se o assalto aos Três Poderes foi uma imitação do Capitólio, selvagens devem ser devidamente investigados e punidos

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Assistindo aos selvagens em Brasília, dei por mim otimista. Será que alguma coisa boa pode sair daqui?

Na teoria, talvez. Os eleitores de Bolsonaro que não se fanatizaram podem abandonar o barco com genuína vergonha do capitão.

Um centro-direita reconstruído talvez entenda o erro de abraçar os extremos, fazendo uma oposição leal ao novo governo, como é próprio das democracias civilizadas.

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Manifestação antidemocrática de bolsonaristas golpistas em frente ao Quartel do Comando Militar do Sudeste, no bairro do Ibirapuera, zona sul da capital paulista - Mathilde Missioneiro/Folhapress

E, se calhar, até os fanáticos podem aprender uma lição importante: só existem eles e as suas fantasias, isolados numa camisa-de-força. Os soldados com que tanto sonharam não mexeram um dedo para finalizar o serviço.

Por outro lado, se o assalto aos Três Poderes foi uma imitação do Capitólio, é preciso seguir os mesmos passos dos Estados Unidos. Em duas palavras, investigação e punição dos culpados, estejam onde estiverem. Sem estados de alma e dentro da alçada da lei.

Se Donald Trump é hoje um embaraço para uma parte cada vez mais crescente de republicanos, isso se deve à inteligência do Congresso e da administração Joe Biden em agir com dignidade institucional. "Acerto de contas" é linguagem de marginais; um estado de direito não ajusta contas, aplica a lei.

No fundo, é preciso transformar a violência em política outra vez, para usar as palavras de Michael Ignatieff. Em artigo para o Journal of Democracy que parece ter sido escrito para o Brasil de hoje, o conhecido biógrafo de Isaiah Berlin relembra algumas verdades duras e desencantadas.

Sim, podemos escrever sonetos à democracia. Mas a democracia, despida de toda retórica, é uma competição pelo poder. E existem duas formas de o alcançar: pela violência ou pela hipocrisia.

Sobre a violência, pouco haverá a dizer —qualquer animal é capaz de a praticar. Vence quem quebra mais ossos.

Mas há muito a dizer sobre a hipocrisia, uma importante virtude democrática. Como lembra Michael Ignatieff, é do interesse dos participantes no jogo manterem a temperatura baixa, mesmo que o adversário seja a encarnação do demônio. Quando a temperatura sobe, todos podem perder.

É isso que explica certos rituais democráticos, como a transição pacífica de poder entre as elites e aquele momento em que o derrotado felicita o vencedor. Se a hipocrisia é o tributo que o vício presta à virtude, qualquer político inteligente está interessado em fazer esse investimento, o que por definição exclui Jair Bolsonaro e seus asseclas.

Espero que os Três Poderes agora atacados sejam mais inteligentes do que os seus agressores. "A democracia não é a guerra por outros meios. É a única alternativa à guerra", conclui Michael Ignatieff. Assino embaixo.

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