Golpistas urinaram em peça de Burle Marx e quebraram um Krajcberg; veja lista

Busto da artista Marta Minujín foi encontrado no chão e restauração de relógio de dom João 6º é considerada difícil

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Brasília e São Paulo

Os manifestantes golpistas que invadiram as edificações da praça dos Três Poderes, em Brasília, idealizadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer —Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal— danificaram importantes obras de arte da cultura brasileira e prédios tombados.

Di Cavalcanti depredado no Palácio do Planalto
Obra de Di Cavalcanti depredada no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress

O Palácio do Planalto é onde há, por ora, o maior número de obras de arte danificadas. "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo, de 1995, foi encontrada boiando na água que inundou o térreo do edifício.

No terceiro andar, "Mulatas", de Di Cavalcanti, "O Flautista", de Bruno Giorgi, e "Galhos e Sombras", de Frans Krajcberg, também foram vandalizadas —veja lista completa abaixo.

O governo estima que só o trabalho de Di Cavalcanti, o mais importante do Salão Nobre, vale R$ 8 milhões. Na obra de Krajcberg, avaliada em R$ 300 mil, galhos que compõem o trabalho foram quebrados e jogados longe.

O diretor da casa de leilões Bolsa de Arte, Jones Bergamin, no entanto, avalia que a obra de Di Cavalcanti valha cerca de R$ 20 milhões. Segundo ele, boa parte das obras depredadas são raras e importantes, mas "Mulatas", tanto pelo tamanho quanto pela sua representação do país, é a de maior valor histórico entre as vandalizadas.

"Bailarina", obra de Victor Brecheret, que foi arrancada de sua base e encontrada no chão da Câmara dos Deputados, é avaliada em R$ 5 milhões— e, de acordo com Bergamin, será difícil de restaurar caso tenha grandes danos. Isso porque a pátina, uma camada que cobre os metais das esculturas, é antiga.

É o mesmo caso da restauração da escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, que foi pichada na frente do STF e vale entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões.

No Planalto, há ainda imagens da obra "Vênus Apocalíptica", da artista argentina Marta Minujín, jogada no chão, do lado de fora do prédio. Os danos às obras foram vistoriados por restauradores e especialistas nesta segunda-feira.

Segundo o governo, o diretor de curadoria dos palácios presidenciais, Rogério Carvalho, avalia que a maioria das obras pode ser restaurada, com exceção do relógio de Balthazar Martinot.

A peça, considerada rara, foi dada de presente a dom João 6º pela corte de Luís 14, da França. O objeto foi desenhado por André-Charles Boulle e fabricado pelo relojoeiro francês Balthazar Martinot no fim do século 18, poucos anos antes de ser trazido ao Brasil.

Quadros também foram quebrados e rasurados no corredor que dá acesso às salas dos ministérios no Planalto, e uma mesa-vitrine do designer Sérgio Rodrigues teve seu vidro quebrado. Uma imagem ainda mostra que desenharam um bigodinho com caneta azul que imita o de Adolf Hitler num retrato de José Bonifácio.

Retrato de José Bonifácio, de autoria não identificada, depredada por golpistas no Planalto
Retrato de José Bonifácio, de autoria não identificada, depredada por golpistas no Planalto - Secom/Divulgação

No Senado, vândalos ainda urinaram numa tapeçaria de Burle Marx, danificaram um tinteiro de bronze da época do Império, um quadro que data de 1890 e retrata a assinatura da Constituição, e uma mesa do Palácio Monroe, onde funcionou a segunda sede do Senado, no Rio de Janeiro.

O Planalto tem um acervo com mais de 700 obras, de acordo com um levantamento feito pelo jornal via Lei de Acesso à Informação —Djanira Motta da Silva, Athos Bulcão, Carlos Scliar, Maria Bonomi, Francisco Brennand, Alfredo Volpi, Amilcar de Castro e Vicente do Rego Monteiro são alguns dos nomes de peso que fazem parte da coleção.

Essas obras também se tornaram um ringue de disputa política com Jair Bolsonaro. A pintura "Orixás", de Djanira, que ficava no Salão Nobre, por exemplo, foi retirada do espaço pelo ex-presidente e voltou à reserva técnica do acervo. Ela também foi furada com uma caneta.

A obra dos anos 1960, que mostra divindades de religiões de matriz africana, voltou a ser exibida na mostra "Brasil Futuro: As Formas da Democracia", no Museu Nacional da República, em Brasília, como parte da programação cultural da posse de Lula. A primeira-dama Janja também já afirmou que a pintura retornará ao Planalto.

Rogério Carvalho, que voltou à curadoria de acervo neste ano e é um dos organizadores da mostra, disse que sua equipe tentava retratar o Brasil e mobilizar símbolos em que a própria população se reconhecesse ao trabalhar com as obras. Para ele, desde que Michel Temer chegou ao Alvorada, tudo que foi pensado para ser público voltou a ser privado.

Num áudio enviado a um grupo no WhatsApp logo após a invasão da praça dos Três Poderes, Carvalho conta que o terceiro andar do edifício tinha sido acabado de montar na terça-feira.

O espaço mais danificado, segundo ele, foi o segundo piso do prédio —e o Ministério da Cultura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, foram acionados para acompanhar a vistoria das obras depredadas.

No STF, a cadeira da presidente Rosa Weber, concebida pelo designer Jorge Zalszupin, foi arrancada. Além disso, um crucifixo foi danificado e a escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada.

Segundo um funcionário do Congresso, os golpistas quebraram as vidraças da Câmara e fizeram pichações. "Araguaia", vitral de Marianne Peretti, de 1977, que fica no Salão Verde da Câmara dos Deputados, também foi depredada.

Também invadiram e quebraram a sala da liderança do PT. Ao lado, incendiaram uma lanchonete. Atrás dela, fica um painel do artista Athos Bulcão, que também foi vandalizado.

Em nota, o Iphan lamentou os danos causados ao patrimônio cultural brasileiro e afirmou que o levantamento completo das obras danificadas ainda depende de liberação de todos os prédios por parte dos órgãos responsáveis pela perícia.

"Em esforços conjuntos com o Ministério da Cultura, técnicos do instituto vão se reunir com a ministra Margareth Menezes, na tarde desta segunda-feira, para discutir medidas de restabelecimento de todos os prédios e definir as ações de conservação e restauração dos bens protegidos pelo Iphan", publicaram ainda.

As edificações da praça dos Três Poderes foram tombadas, em 2007, pelo Iphan. Brasília, cidade planejada ainda na década de 1950 durante o governo de Juscelino Kubitschek, também foi inscrita pela Unesco, em 1987, na lista do patrimônio mundial.

Logo após o ataque, diversas autoridades e instituições ligadas à proteção dos monumentos públicos se manifestaram.

Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o CAU, classificou a invasão como um atentado grave contra "o primeiro conjunto urbano do século 20 reconhecido como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas".

O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, o Icomos Brasil, ainda afirmou que vai acionar instâncias internacionais para investigar o caso. "Eventuais responsabilizações internacionais poderão acontecer tanto para os que vandalizaram quanto para os responsáveis governamentais eventualmente envolvidos. Pode haver julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, como aconteceu no caso de Timbuktu, no Mali", afirmam.

Veja quais obras foram alvo dos golpistas

Palácio do Planalto*

  1. "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo
  2. "Mulatas", de Di Cavalcanti
  3. "O Flautista", de Bruno Giorgi
  4. "Galhos e Sombras", de Frans Krajcberg
  5. "Vênus Apocalíptica", da argentina Marta Minujín
  6. Relógio Balthazar Martinot
  7. Mesa-vitrine do designer Sérgio Rodrigues
  8. Retrato de José Bonifácio
  9. Pintura de 2003, de Nitma, foi retirada da parede
  10. Pintura de Marechal Rondon, feita em 1953 por W. L. Techmeier, foi retirada da parede
  11. "Evolução", escultura de Haroldo Barroso

*Segundo o governo, o corredor que dá acesso às salas dos ministérios no Planalto foi vandalizado, com muitos quadros rasurados ou quebrados, especialmente fotografias

Congresso Nacional

  1. "Araguaia", vitral de Marianne Peretti, de 1977
  2. Painel de Athos Bulcão, na Câmara dos Deputados
  3. "Painel Vermelho", de Athos Bulcão, no Museu do Senado
  4. Paisagem de Guido Mondin, na Câmara
  5. Pinturas dos ex-presidentes, no Museu do Senado
  6. "Bailarina", de Victor Brecheret
  7. Escultura "Maria, Maria", de Sônia Ebling
  8. Tapeçaria de Burle Marx
  9. Quadro que data de 1890, no Senado

  10. Mesa do Palácio Monroe

  11. Tinteiro de bronze da época do Império, no Senado

STF

  1. Cadeira da presidente Rosa Weber, concebida pelo designer Jorge Zalszupin
  2. Escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada
  3. Crucifixo
  4. Brasão do STF
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