João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Países mais ricos e livres da Europa são monarquias constitucionais

Um personagem coroado não representa um retrocesso para os respectivos povos

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1. Charles 3º é coroado em Londres. Os republicanos protestam. Monarquia, onde é que já se viu isso?

Bom, na Europa, existem várias monarquias constitucionais. Curiosamente, ou talvez não, são também os países mais ricos, mais livres e mais estáveis do velho continente. Já pensou nisso?

Não quero dizer que as repúblicas não podem ser ricas, livres ou estáveis. Claro que podem. Algumas são. Quero apenas dizer que ter um personagem coroado não representa um retrocesso para os respectivos povos. Nem sequer para as respectivas democracias.

A esse respeito, uma história. Um dia, resolvi visitar o Parlamento inglês. A certa altura, o guia contou que o rei, quando vai ao Parlamento para discursar, não pode entrar na Câmara dos Comuns, razão pela qual fica pela Câmara dos Lordes.

Mais: antes do discurso, um emissário do rei vai até à Câmara dos Comuns e as portas são ostensivamente fechadas na cara do sujeito.

Ele tem de bater primeiro e solicitar que os deputados possam ir à Câmara dos Lordes para ouvir a rainha (ou o rei, agora). Simples bizarria?

Longe disso. Apenas a lembrança de que, no Parlamento, onde estão os representantes do povo, o rei não manda.

De certa forma, a Constituição britânica permitiu esse casamento feliz entre a continuidade da monarquia como símbolo de união, por um lado, e a democracia liberal e pluralista, por outro.

A maioria, pelo menos na Inglaterra, está contente com o casamento.

Chaplin, com a coroa do Rei Charles na cabeça no lugar do chapéu coco, espreita desconfiado de trás de uma esquina. A mesma imagem se repete em vermelho, porém tombada, na horizontal.
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 8 de maio de 2023 - Angelo Abu

2. Será que a vida privada de um artista afeta o juízo estético que fazemos da sua obra? Ou são continentes radicalmente distintos?

Pensei no assunto quando assistia, em Londres, ao documentário "The Real Charlie Chaplin", de Peter Middleton e James Spinney.

Há um momento em que somos apresentados à segunda mulher de Chaplin, a atriz Lita Grey. Quando Chaplin soube que ela estava grávida, não gostou da notícia.

E, estando os dois numa estação ferroviária, Chaplin sugeriu que a melhor forma de resolverem o "problema" seria Lita saltar para a linha quando o trem chegasse.

A sequência gelou os críticos. Também gelou a mim. Mas terá acontecido? Terá sido dito com intenção de provocar uma tragédia? Era um mero desabafo de mau gosto?

Para o caso, tanto faz. O documentário é implacável ao mostrar o comportamento de Chaplin com as mulheres, ou seja, com as adolescentes com quem se envolvia. Um "predador", na linguagem moderna, que hoje seria "cancelado".

Honestamente, sempre soube separar as águas e não exijo que um grande criador seja um modelo de santidade. Nem sequer um cidadão decente. Para essas matérias, há a polícia e os tribunais.

Se assim não fosse, os livros que amo, e os filmes, e os quadros, e os discos, tudo isso seria enviado para a fogueira. Como lembrava o inestimável Millôr Fernandes, "como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem".

A vida de um criador só me interessa se ela ajudar na compreensão da obra.

E, no caso de Chaplin, ela ajuda sim: o seu Carlitos seria impensável sem a infância de miséria nos bairros populares de Londres.

Cena de 'O Grande Ditador' - Divulgação

De resto, o documentário é notável ao mostrar a obsessão de Chaplin com Hitler. Nascidos no mesmo ano (1889) e com inícios de vida pouco promissores, partilhavam ambos o mesmo tipo de bigode e chegaram ao apogeu das respetivas carreiras, digamos assim, entre 1930 e 1940.

Não admira que Chaplin tenha parodiado Hitler em "O Grande Ditador", ainda que o discurso final do filme seja pedagógico e sentimental, no mau sentido. O grande humor não precisa de explicação. O grande horror também não.

3. Ulisses sofria com as sereias. Hoje só a direita mais cavernícola. Tempos atrás, a "alt-right" americana não gostou de saber que "A Pequena Sereia", o filme, teria uma atriz negra no papel principal. As sereias são brancas, diziam as patrulhas, que pelos visto têm convivido muito com elas.

Agora, leio no "Daily Telegraph" que a estátua de uma sereia, inaugurada na Itália da premiê nacionalista Giorgia Meloni, está a provocar polêmica. A sereia tem um peito generoso e uma bunda olímpica. As boas consciências repudiam tais dimensões, porque as sereias têm contornos mais modestos.

Eu, abismado com tanto conhecimento marinho, prefiro não fazer comentários. E, quando regressar a Portugal, farei uma visita de estudo ao Oceanário de Lisboa. Pode ser que aprenda alguma coisa.

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