Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Eleições 2022

Por que mudei minha opinião sobre as cotas raciais

Cotas não levam ao comodismo; elas estimulam o jovem a correr atrás de seu sucesso

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Depois da resposta agressiva de Bolsonaro a Vera Magalhães, o debate de domingo (28) enveredou para a pauta da mulher. Passou completamente batida, contudo, a discussão racial.

E, embora houvesse mulheres entre os candidatos e os jornalistas no palco, não havia um único negro. Anos atrás essa ausência em um espaço de prestígio mal era comentada. Era vista como natural. Hoje em dia, chama a atenção.

Um tema importante que o Brasil discutirá em breve —e que poderia ter aparecido no debate— é a renovação da Lei de Cotas, que provavelmente ficará para 2023.

Movimentos estudantil e negro celebram adoção de cotas sociais e raciais pela USP
Movimentos estudantil e negro celebram adoção de cotas sociais e raciais pela USP - 2017/Ubes/Divulgação

Fui contra as cotas originalmente. Tinha o receio de que, aceitando estudantes com nota mais baixa no vestibular, os cursos perderiam qualidade. Um segundo motivo era a crença de que criar cotas não ia à raiz do problema de base: criar condições iniciais melhores para todos (investindo no ensino básico).

Além disso, criaria incentivos ao comodismo entre os membros das próprias comunidades beneficiadas. Por fim, como um defensor do ideal da mistura racial brasileira, a divisão racial implícita nas cotas aparecia como inaceitável.

Dez anos depois, sou favorável à lei e espero que seja renovada. Temos evidências o bastante para mostrar que as cotas não levaram à queda na qualidade dos cursos. Além disso, o desempenho dos cotistas ao fim do curso não é inferior ao dos seus colegas não cotistas. Ou seja, as cotas não levam ao comodismo; elas estimulam o jovem a correr atrás de seu sucesso.

Cabe também mostrar que a cota racial (para além da puramente social) é justa. Tanto o jovem pobre branco quanto o negro sofrem com a pobreza. Mas o negro, além da pobreza, sofre também com o racismo, cujos efeitos vão desde a maior incidência de violência por forças de segurança a menores ambições individuais quanto ao futuro (o racismo prejudica a autoestima dos que o sofrem). Certas críticas, no entanto, permanecem e acho importante respondê-las.

O desenho das cotas brasileiras é inteligente, pois elimina uma das maiores distorções possíveis: a de que membros privilegiados da minoria —por exemplo, negros ricos— acabem sendo os principais beneficiados.

Como, no Brasil, as cotas raciais se aplicam apenas aos que se qualificam para as cotas sociais (que estudam em escola pública, por exemplo), elas não beneficiam os filhos de negros ricos.

Há ainda um certo receio de que as cotas incentivem a segregação racial. Mas o efeito delas é justamente o oposto. O Brasil é um país único não apenas pelo grau da miscigenação, como também por elevar essa mistura racial a um valor e mesmo a uma parte de nossa identidade. Temos orgulho de ser uma nação mestiça.

Essa mistura, contudo, não chega a todos os espaços. A base de nossa pirâmide é bem misturada; o topo, não. A homogeneidade branca dos espaços de poder no Brasil constitui uma negação de nosso maior valor civilizacional. As cotas ajudaram a mudar isso; a cara das universidades públicas mudou. Em vez de segregação, o que temos é a mistura num espaço que até pouco tempo era majoritário e visivelmente branco.

Nada é perfeito. A aplicação da regra das cotas num país miscigenado como o nosso exige que alguns cortes sejam feitos de maneira arbitrária. São, contudo, uma minoria ínfima perto dos milhões de beneficiados e do ganho para as universidades —especialmente as mais concorridas, como a USP— de terem maior diversidade interna.

Há quem queira aprimorar a lei e há quem queira eliminá-la. O próximo presidente terá um peso nessa discussão; sabemos o que cada candidato faria?

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