Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli
Descrição de chapéu Governo Lula

Posse de Lula trouxe euforia e esperança de uma nova era

Cerimônia teve o simbolismo de um poder que brota e que é garantido pelo povo

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Uma boa emoção lava a alma. Mesmo sabendo que ela pode ser efêmera, que há, por trás, uma vontade de acreditar em alguma coisa que talvez não seja bem assim. Não importa. Algumas vezes é melhor deixar que ela nos faça feliz.

O 1º de janeiro de 2023 adquiriu um sentido forte de ano novo, inaugurando uma época renovada, graças à cerimônia de posse de Lula. O clima de regeneração e de entusiasmo foi tanto que tomou os jornalistas, os comentadores, mesmo aqueles mais críticos.

Presidente Lula recebe a faixa presidencial de representantes do povo brasileiro, no Palácio do Planalto - Adriano Machado - 1º.jan.23/Reuters

Começou com os dois casais, presidente e vice com suas esposas, desfilando, de pé, no Rolls-Royce: uma impressão de camaradagem, de harmonia. O entusiasmo tomou conta da posse. E tudo teve um jeito de cerimônia sem afetação, um arruma daqui, ajeita dali. Até Geraldo e Lu Alckmin foram chamados de última hora por Lula para se espremerem no Rolls-Royce.

Continuou com a cerimônia de posse no Congresso: havia um clima de euforia naquela mesa. O desejo de incorporar o povo na assinatura, com a caneta oferecida pelo piauiense admirador. Foi bonito ver a presidente do Supremo, Rosa Weber, acompanhar com um sorriso que parecia sinceramente feliz a fórmula do juramento e suas declarações de obediência às instituições. Enfim chegou o dia que afasta as ameaças autoritárias e golpistas.

Na mesa, apenas o procurador da República, Augusto Aras, permanecia, na ponta direita, um pouco afastado dos outros, com cara de prisão de ventre. Ele estava ali como o resíduo do precedente governo.

E foi excelente o Bolsonaro ter fugido como fugiu. Essa fuga combina com o personagem grotesco e sem brio nenhum, completa de modo muito coerente os quatro anos de pesadelo que ele comandou no Brasil.

Foi bom porque ele, todo feito de ódios, não caberia naquela cerimônia cujo espírito foi tão positivo. Imaginem só se estivesse ali, no alto da rampa, passando a faixa! Isso não só teria legitimado o seu governo, como sua presença traria uma nota discordante e sombria em momento tão luminoso.

Melhor, foi muito melhor, ver o povo brasileiro, representado por um grupo diversificado —uma catadora de lixo, negra; um rapaz com deficiência; cacique Raoni, o grande indígena; um menino negro; um metalúrgico do ABC; um artesão; uma cozinheira; um professor. E a linda vira-lata Resistência. Mais tarde, no coquetel do Itamaraty, suntuosas travestis.

É um simbolismo forte; simbolismo de um poder que brota e que é garantido pelo povo. Símbolos são muito importantes, são gatilhos para as emoções que fazem agir. E afirmava Henri Focillon: "Grandes ondas afetivas como o amor e o medo agitando um povo inteiro não são forçosamente ilusões romanescas."

Sem nenhum triunfalismo, a passagem de poder que ocorreu domingo foi uma festa de convicção e vibração felizes.

Que alívio ouvir os discursos do novo presidente. Sentir que acabaram os ódios, a arrogância estúpida, o desrespeito que habitava as antigas falas presidenciais. No entanto, discursos são discursos, ou seja, palavras apenas, e uma coisa são as palavras, outra, o que de fato está por vir.

Mas havia nas duas falas de Lula um tom de sinceridade, uma visão coerente, um programa de fato, do qual ninguém com um pouco de miolo pode discordar. Foi bom de ouvir. Se tem algum vínculo com a realidade futura, só o tempo pode dizer.

Em todo caso, a democracia venceu. Depois de um julgamento em que a Justiça foi manipulada por interesses infames, depois de uma prisão que Lula poderia ter evitado saindo do país, depois de uma eleição em que todas as armas do poder, em todos os níveis, atiravam contra o candidato adversário, a democracia venceu. Há um aprendizado da democracia, que passa por apertos, tropeços, pelos acidentes da história, e assim se fortalece.

Em um momento, durante o segundo discurso, no parlatório, dirigido à multidão, pareceu-me que o novo presidente fazia uma alusão velada (ou nem tanto) à Folha. Qualquer leitor deste jornal sabe que a Folha tem se referido à PEC da Transição como PEC da Gastança, numa qualificação evidentemente pejorativa e bem pouco neutra.

Para afirmar que teria responsabilidade econômica, Lula disse que seu governo não seria o da gastança. Aqui também é preciso esperar para ver; nada impede, no entanto, que se espere o bom caminho.

(Assinalo que a PEC Kamikaze, como foi chamada a gastança de Bolsonaro, não tem o mesmo tom preconceituoso do qualificativo atribuído à nova PEC. Primeiro, porque kamikaze é uma palavra mais rara, que muita gente desconhece. Segundo, porque contém algo de heroico, ao contrário de gastança, que rima com lambança, e evoca o descontrole, os desmandos, a farra com o dinheiro público.)

O mundo está em expectativa, e a presença de tantos chefes de estado, de representantes de tantos países na cerimônia da posse indica uma esperança positiva. A torcida é grande.

De fato, o dia em que 2023 começou trouxe consigo a vontade de uma nova era.

Feliz ano novo para todos!

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